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160310_danielpascual.jpgBrasil de Fato [Cláudia Santiago] - Daniel Pascual denuncia que a elite de seu país continua com a mesma mentalidade de seus ancestrais colonizadores.


Daniel Pascual, 38 anos, coordenador geral do Comitê de Unidade Campesina da Guatemala (CUC), veio ao Brasil para representar a Via Campesina guatemalteca em Porto Alegre (RS) na décima edição do Fórum Social Mundial, realizada entre os dias 25 e 29 de janeiro. Durante o encontro, ele participou de diversas mesas de debate e também de um ato contra a criminalização dos movimentos sociais. Entre uma atividade e outra, o líder camponês recebeu o Brasil de Fato para uma conversa de 40 minutos sobre a vida na Guatemala.

 

Brasil de Fato – Você sempre foi camponês?

Daniel Pascual – Sempre e também meus pais e avós. Sempre vivemos da terra.

Como você se tornou dirigente do CUC? Como se formaram suas ideias?

Meus avós e meus pais me ensinaram a luta. Três irmãos morreram na luta armada. Meus avós foram perseguidos por se oporem ao sistema. Meu pai foi da direção nacional do CUC. Então, a luta é uma herança. Minha formação teve influência do Exército Guerrilheiros dos Pobres (EGP) e da Teologia da Libertação, da Igreja Católica, que ajudou a entender o porquê da pobreza. E também da vivência direta da discriminação, do racismo, da opressão, da exploração.

É casado? Tem filhos?

Unido. Dois filhos, de 17 e 12 anos.

E o que você ensina para eles?

Eles estão estudando, o que eu não pude fazer. Tenho a preocupação que eles estudem. Falo da realidade dos companheiros indígenas, dos parentes perseguidos pela ditadura. A avó deles, mãe da minha companheira, também é indígena, e o avô foi sequestrado e desaparecido pelo exército da ditadura nos anos 1980. Eles têm também um envolvimento muito forte na luta camponesa, com os indígenas, mas também se interessam muito pela América Latina. Gostam do [presidente da Venezuela Hugo] Chávez. O mais velho quer ir estudar em Cuba.

É possível a Guatemala se transformar em uma Bolívia?

É possível, mas muito difícil. Apesar de muitas semelhanças, por sermos maioria indígena, com muito latifúndio, muita pobreza e opressão, na Guatemala vivemos uma guerra de 36 anos que exterminou o movimento indígena e o movimento popular, social. Há muito poucas lideranças. As principais estão desaparecidas. Foram massacradas, assassinadas, perseguidas. É uma geração muito incipiente de novos quadros, de homens e mulheres. Há muita pobreza e o latifúndio é muito opressor. Há também a cooptação de quadros do movimento popular pelo governo. Na Guatemala, quando terminou o conflito armado e se assinaram os Acordos de Paz, houve um retrocesso com o neoliberalismo, com tratados comerciais, com exploração mineira de ouro, prata, zinco, níquel, petróleo. É um cenário muito complexo, e são poucas organizações também dispostas a confrontar esta situação. É muito difícil a luta com esse modelo neoliberal.

Com que movimentos o CUC se articula?

Há muitas articulações que se perderam no caminho. Nos anos 1980 tivemos uma articulação muito forte com o movimento estudantil, trabalhadores, sindicatos, mulheres, indígenas, camponeses. Sofremos uma grande repressão por parte do Estado. Em 1990, 1991 e 1992, reconstruímos uma articulação indígena, camponesa, sindical. Há também uma coordenação indígena, que foi a articuladora das Organizações do Povo Maia, que também terminou com os Acordos da Paz. Em 1993, criamos a Coordenação Nacional das Organizações Camponesas. Atualmente, temos a Coordenação de Convergência Nacional Maia, que é uma mescla de organizações camponesas, indígenas, de saúde, de educação e ONGs. É uma organização interessante contra as transnacionais dos minérios, petróleo, monocultivo para agrocombustíveis. Esta é a que está mais forte agora.

E o movimento sindical?

Não estão na articulação. O movimento sindical na Guatemala vive uma realidade distinta. Em 1996, com o aumento da privatização das estatais, os sindicatos quebraram. Houve muita demissão e muita demissão voluntária. O modelo neoliberal atacou mais fortemente o movimento sindical. Muitos sindicatos desapareceram, muitos sindicalistas foram aniquilados. Há uma política de desregulamentação do emprego, de reforma das leis e da Constituição para favorecer os governos neoliberais.

Qual a principal luta desta articulação?

A defesa do território. A terra para trabalhar, as plantas, montanhas, os bosques, as pessoas, a memória histórica, o manejo do tempo. A defesa não só do solo parado.

O que é exatamente a defesa do território?

Território, na cosmovisão maia, não é só Guatemala. Tem território maia em toda a América Central: Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. Este é o território ancestral maia. Na Guatemala, somos quatro povos indígenas, divididos em 22 grupos linguísticos. Começa a se despertar a consciência de que território não é só o solo. É o solo, os recursos minerais do subsolo, a energia que gera equilíbrio na natureza. Tirar o ouro, o petróleo ou a prata significa tirar a energia da mãe terra, o que gera desequilíbrio. É a busca de um modo de vida diferente.

E quem são os principais inimigos deste modo de vida que vocês buscam?

As corporações que estão entrando na Guatemala com tratados comerciais, com concessão de exploração mineradora de ouro, prata, ferro, carvão, petróleo, acumulação da terra para cultivo de agrocombustível. Isso de oito anos para cá. Tem também o projeto Marlin, da empresa mineradora Montana, subsidiária da mineradora Goldcorp, de origem canadense, com capital internacional. Há concessão de exploração de mineira de 20, 30 km². A Guatemala tem 108 mil km². Há 119 projetos de hidroelétrica, tratados de livre comércio e criminalização dos que se opõem a tudo isso.

E como os meios de comunicação agem frente a isto?

São o principal instrumento para a criminalização do povo na Guatemala, usado para convencer a população de que as medidas do governo são boas e necessárias e que as comunidades indígenas são invasoras, terroristas, usurpadoras, delinquentes. Temos poucos meios alternativos. Então, o Ministério Público investiga e persegue, os tribunais emitem ordem de captura, julgam e condenam a muitos anos de prisão. A mídia faz as pessoas acharem que está tudo certo.

Vocês têm lideranças presas?

Sim, temos seis casos bem graves. Dentre eles está o de Ramiro Cho, líder da luta de defesa da terra e contra as empresas petroleiras e do setor hoteleiro. Ele confrontou diretamente as empresas. Foi acusado de roubo e sequestro e, embora não haja provas contra ele, foi condenado a oito anos de prisão. Estamos apelando nos tribunais. Há outros casos muito graves, como o do companheiro Abelardo Curup que, em luta contra a instalação de uma fábrica de cimento que traria destruição ambiental e que causaria mal à saúde da população, foi acusado de assassinato e condenado a 150 anos de prisão. Há centenas de processos como estes. Em São Marcos, um estado na fronteira com o México, em um confronto com a Goldcorp, oito mulheres que encabeçam as lutas estão sendo perseguidas. Mulheres que não falam bem o espanhol e que não têm muita escolaridade.

Quem são os donos das terras na Guatemala?

São dois. De um lado, os latifundiários descendentes dos europeus, de origem espanhola ou alemã, que continuam com a mesma atitude colonial. Nos veem como mão-de-obra barata sem direito à saúde e à educação. Pessoas que servem para trabalhar para os outros. São eles que firmam os tratados de livre comércio com os EUA. Eles são os donos do poder na Guatemala, controlam a mídia, a política, o judiciário, o legislativo, os bancos e as terras. 75% da terra da Guatemala está nas mãos de apenas 6 ou 7 % da população.

E o restante da terra?

Bem, existem também os minifúndios, principalmente nos planaltos do país. São muito pequenos.E os outros donos são as transnacionais?

Sim. Estão comprando terra, obtendo concessões. Há uma reconcentração da terra. Compram terras de pequenos camponeses e medianos proprietários principalmente para o cultivo da cana e da palma africana.

A Guatemala tem 13 milhões de habitantes. Como vivem estas pessoas?

Um milhão em extrema pobreza, mais de três milhões em situação de pobreza. A classe média está passando à pobreza. Em alguns municípios as pessoas passam fome. 49% das crianças de até cinco anos da Guatemala sofrem de desnutrição crônica. Esses são dados da FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação].

Fale um pouco sobre a juventude de seu país. Aqui no Brasil temos uma parcela de jovens que está sendo perdida para o narcotráfico ou morrendo pelas mãos da polícia, ou seja, pelo Estado.

Até os anos 1990, tínhamos uma juventude muito militante. De lá para cá, uma parte foi cooptada pela mídia, pelo consumismo, perda de consciência política, migração para os Estados Unidos. E há uma parte que é vítima do narcotráfico.

Uma palavra a mais. De onde você tira sua força?

Nós, maias, temos história de resistência e de luta. Minha família perdeu três filhos na guerra de combate ao exército do Estado colonial e capitalista da Guatemala. A luta é minha vida porque eu nasci em 1971 e meus pais saíram de casa para buscar justiça, autonomia e porque ainda hoje continuam as raízes da pobreza, da miséria, da fome e da opressão. (do Núcleo Piratininga de Comunicação – NPC, especial para o Brasil de Fato)


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