Ficam os candidatos de esquerda e Marina Silva. Não incluo Marina como de esquerda porque ela vem demonstrando dificuldades para construir um programa coerente. Não digo que é de direita. É, simplesmente, Marina. Na proposta econômica, flertou com um liberalismo capenga, meio troncho (como dizia minha orientadora de pesquisa no mestrado que fiz na Unicamp). Marina terá que prestar contas aos seus companheiros da Rede e, depois, àqueles que acreditaram que desejava o novo. Mas, deixemos a candidata sonhática marinando. Ela já tem problemas suficientes para as próximas décadas. Inclusive, para explicar porque jogou seus eleitores de um lado do ringue se dizia ser tão diferente de tudo o que está aí.
Voltemos para os dois candidatos [foto: Eduardo Jorge do Partido Verde e Luciana Genro do Partido Socialismo e Liberdade] que se destacaram tanto nos debates da TV. Por que excluo Mauro Iasi (PCB), Zé Maria (PSTU) e Rui Costa Pimenta (PCO)? Porque não tiveram como influenciar, de fato, os debates mais importantes desta eleição. Sua posição no segundo turno é irrelevante em termos de impacto junto aos eleitores. Também não cito Eymael porque, fora o jingle de sempre, é uma imensa incógnita o que significa a tal democracia cristã neste início de século. Tenho para mim que, com a morte trágica de Aldo Moro, a democracia cristã desapareceu como referência programática e, por fim, foi assolada por vários casos de corrupção, mundo afora.
O que pensaria Luciana Genro? Luciana foi expulsa do PT. A acusação foi que não seguiu a orientação partidária. Em dezembro de 2003, com Lula já eleito, o Diretório Nacional do partido decidiu, por 55 votos a favor e 27 contra, expulsá-la, juntamente com o também deputado João Batista, o Babá (PA), e a senadora Heloísa Helena (AL). Eduardo Suplicy (SP) tentou colocar em votação a opção de suspendê-los por seis meses, mas não conseguiu. O algoz dos três, nessa reunião, foi o atual ministro Aloizio Mercadante, segundo vários relatos de dirigentes presentes. As divergências se acumulavam ao longo do primeiro ano do governo Lula: a publicação da Carta ao Povo Brasileiro, a indicação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, a indicação de Sarney para a presidência do Senado e a proposta de Reforma da Previdência.
Eduardo Jorge foi do PCBR e fundador do PT. Foi deputado estadual e federal de 1983 a 2003. Foi secretário municipal de Saúde de São Paulo no governo de Luiza Erundina, entre 1989 e 1990, e no início da gestão de Marta Suplicy, de 2001 a 2002. Não foi um petista qualquer. Saiu do PT criticando o que denominou de "patriotismo de partido", que impediria "que idealistas cheguem ao topo", colocando os interesses da direção acima dos interesses gerais. Foi para o PV. E o PV, principalmente em São Paulo, é aliado do PSDB. Já secretário do Verde e Meio Ambiente da gestão Gilberto Kassab (PSD), foi acusado de receber propina para autorizar a retirada de árvores para a reforma do shopping Pátio Higienópolis.
A disputa entre partidos é, quase sempre, cruel. No último debate televisionado do primeiro turno, Eduardo Jorge chegou muito cedo aos estúdios da Globo e foi meditar. Aliás, tentou meditar. Foi abordado por Roberto Freire, presidente do PPS, e Roberto Amaral, do PSB, para discutirem os apoios e alianças para o segundo turno.
Quando foi lançado candidato à Presidente da República pelo PV, Eduardo Jorge recriminou os xingamentos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo e criticou Eduardo Campos e Aécio Neves por terem endossado a manifestação contrária, recuando depois. Disse, na época: "eles flertaram com o xingamento e depois correram. Nós do PV não fazemos isso, criticamos porque ela (Dilma) se escondeu, mas condenamos o comportamento feio, os xingamentos". Ainda no início da campanha, chegou a destacar a necessidade de inovação na vida política, destacando lições novas, avançadas, de vanguarda, renovadoras, e destacou que queria conquistar os cidadãos em julho.
No discurso de apoio a Aécio no segundo turno, Eduardo Jorge deixou todos constrangidos. Finalizou assim: "nós do PV consideramos que a Social Democracia, o PSB e o PT são partidos da família socialista". Meio que de lado, não? Não para muitos petistas, que não gostam de falas cifradas ou ambiguidades públicas.
Luciana e Eduardo adotaram posturas distintas em relação ao rumo político no segundo turno.
Luciana, desde pronto, sugeriu apoio à reeleição de Dilma Rousseff, mas acompanhou seu partido, que decidiu vetar voto em Aécio Neves, mas não declarou apoio à candidata do PT. Eduardo Jorge apoiou Aécio Neves.
Gostaria de destacar quais poderiam ser as motivações para ex-petistas que não romperam com seus projetos originais programáticos não apoiarem candidatos que, até pouco tempo, eram seus companheiros. Afinal, há motivações políticas e ideológicas para que Genro e Eduardo Jorge tomassem suas decisões (acompanhando seus partidos). Minha contribuição é sugerir uma reflexão sobre o peso emocional com o partido que foi seu um dia, o PT.
De alguma maneira, o tratamento do PT com ex-companheiros não é acolhedor. Nas redes sociais, é ainda pior. "Perdedores frustrados" é o mais carinhoso dos adjetivos atirados. Há, ainda, certo sentimento de onipotência ou empáfia dos vencedores que impede que o partido faça gestos generosos em público. Lula amenizou esta cultura do destrato. Mas, mesmo ele, foi implacável com vários desafetos, em especial, os colhidos no interior do partido. O campeão da soberba, não tenho dúvidas, foi Zé Dirceu. O que ele fez com Gabeira e Cristovam Buarque foi para lá de disputa entre cães grandes. Foi humilhação. Gabeira, já em rota de colisão com o comando petista, levou o maior chá de cadeira da história da Casa Civil. Cristovam foi demitido pelo celular, fato que foi "vazado" para a imprensa.
Ao contrário do que diz a lenda – principalmente aquela alimentada por textos institucionalistas ou até mesmo pelo marxismo vulgar – a política de um país não segue o mapa dos partidos políticos. Ao contrário, segue o mapa das relações afetivas. As relações de Genoino com Luiz Eduardo Magalhães sempre foram exaltadas como emblema de civilidade política. O mesmo em relação à proximidade de Lula com Delfim e Aécio. Mas o exemplo desses líderes parece que não amainou a cultura beligerante que a burocracia e o baixo clero petista alimentam. E parece que cede, o tempo todo, para os comandos de campanha.
Enfim, consigo entender as motivações, lá no íntimo, para os ex-petistas não se alinharem com Dilma Rousseff.
Afinal, não se faz política colhendo desafetos.
Rudá Ricci é cientista social.