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as armas da críticaBrasil - Diário Liberdade - [Jones Manoel] É uma pena que normalmente, mesmo entre os marxistas, as pessoas não parem para pensar na historicidade dos conceitos, categorias, palavras de ordem, bandeiras etc. que usam.


Foto: recorte da capa do livro "As armas da crítica: antologia do pensamento de esquerda".

Na história é mais que comum que uma coisa mude de sentido e seu nome continue o mesmo. Compreender essas sutilezas é um dos sinais de diferença entre os bons pensadores e os "meia boca".

Há muito escuto criticas ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) afirmando que ele é um partido muito eclético, que existe uma variedade muito ampla de marxismo(s) no seu seio, que os militantes muitas vezes têm pensamentos bem diferentes entre si. Oras, tudo isso é verdade. A grande questão é porquê conceber isso como um problema.

Historicamente falando o movimento comunista, na sua origem, sempre teve diferenças internas nos seus principais partidos e organizações. A Primeira Internacional tinha dois grandes grupos - os bakuninistas e os "marxistas" -, o primeiro grande partido operário da história, o Partido Social Democrata Alemão, foi durante toda sua existência como partido verdadeiramente operário, um partido com uma ampla variabilidade interna entre a visão política dos seus militantes. Basta pensar, por exemplo, nos principais nomes do partido: karl kautsky, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Eduard Bernstein. Que diferença abissal que existe entre esses nomes. Isso para falar só nos mais famosas. O movimento comunista não significou durante todo século XIX uma unidade estática de pensamento dos membros de um partido ou de uma organização. Marx e Engels toda às vezes que criticam concepções erradas, como a dos lassalianos, nunca criticavam o partido por ter uma variabilidade de pensamento interno, mas, outrossim, faziam uma critica teórica-política às concepções equivocadas - não a falta de unidade mecânica (dúvidas leiam a Critica ao Programa de Gotha de Marx).

O próprio Partido Bolchevique desde o seu nascimento adotou o centralismo democrático, revolucionários profissionais e uma estrutura bem rígida, mas até pelo menos 1922 nunca teve restrição de debate interno, restrição às visões diferentes do marxismo e proibição de formação de tendências. O centralismo democrático teorizado pôr Lênin tinha como principal "unidade na ação", mas não uma visão de "igreja" dentro do partido. Basta lembrar que até 1924 conviviam - com poucos atritos dentro do partido - figuras bem diferentes como Stálin, Zinoviev, Kamanev, Pachukanis, Preobrazhensky, Bukhárin, Emma Goldman, Lênin, Bugdanov e posteriormente Trotsky; isso para ficar-nos mais famosos. Existe um abismo gritante entre a concepção de marxismo, Estado Proletário, relação partido-massas, papel da vanguarda, etc. de Stálin e Pachukanis; entre Bukhárin e Goldman, etc. Discordar de Lênin - do líder maior do partido bolchevique - era algo normal. Amplo debate, ampla discussão, era norma no interior do Partido Bolchevique. Basta lembrar que quando Lênin chega à Rússia em Abril de 1917 e lança as famosas "Teses de Abril" propondo a tomada do poder, praticamente ninguém no partido o apoiou. Ele teve que travar uma forte luta interna no partido para conseguir fazer sua análise ser hegemônica e ninguém foi expulso do partido, preso, chamado de "inimigo do povo" ou algo assim por causa disso.

Os efeitos da guerra civil russa, a fusão do partido com o Estado, o novo papel desempenhado pelo partido na transição socialista, a entrada de milhares de militantes novos, as mudanças na estrutura do partido como a proibição de tendências, a situação internacional e a morte de Lênin criam uma nova situação no partido bolchevique (nessa época já chamado de Partido Comunista da União Soviética - PCUS); ou, na verdade, um novo partido. Os melhores historiadores da história soviética estão bem atentos para isso. Moshe Lewin na sua clássica obra "O Século Soviético" deixa bem claro que não existe mais "Partido Bolchevique" depois do fim da guerra civil russa. Temos outra estrutura bem diferente (toda a Escola marxista da chamada "Critica do Valor" é bem atenta para isso). A necessidade de combater o revisionismo da socialdemocracia, o forte clima de enfrentamento entre 1919-22, a necessidade de uma expansão rápida da revolução russa criam uma nova Internacional Comunista (IC ou III Internacional) altamente centralizada (observe as conhecidas 21 teses de condição de adesão à IC) e bastante rígida no controle da concepção de marxismo que existia nos partidos comunistas do mundo. Passa a haver um marxismo verdadeiro, oficial, que emana da URSS e é interpretado internacionalmente pelas orientações da IC - que tem uma tendência de transposição mecanicista das teorias; como pensar a realidade brasileira com referência à China e a Índia. A partir daí temos a criação de uma visão de partido como "igreja", uma visão de partido onde todos os militantes têm a mesma visão dos principais aspectos do movimento comunista. Aliado a isso temos uma forte disputa interna pelo poder no PCUS, que termina com a vitória do grupo liderado por Stálin, derrotando primeiro o grupo que tinha Troksty como principal representante e depois o grupo que tinha como principal figura Bukhárin. Esse processo todo de disputa política cria um clima de "criminalização da dissidência", trata a discordância das diretrizes centrais do PCUS como atos de traição - um caso clássico foi o de Pachukanis, que por ter uma teoria do direito diferente do PCUS foi acusado de inimigo do povo e eliminado no final dos anos 30. A direção stalinista da IC e o grupo vitorioso dentro das disputas internas do PCUS cristalizaram na URSS e no mundo a ideia de que um PC (partido comunista) não pode ter militantes entre si com visões diferentes de marxismo, do papel do partido, etc. O centralismo leninista que tinha como central "unidade na ação", acrescido de o princípio do amplo diálogo e do debate fraterno e democrático na formulação do programa, ganha um novo elemento: a unidade hermética na visão de marxismo. Todos têm que ter uma visão igual dos principais temas abordados pelo partido.

O fato de o PCB ter lukacsianos, althusserianos, stalinistas, maoístas, trotskystas, gramscianos, etc. assustam muitos. Vários falam que não é possível um PC ser assim, naturalizando e tendo uma percepção a-histórica do que é ser um partido Comunista. Outros, ao contrário, que se organizam em tendências, acham estranho o PCB não permitir tendências e ter uma variedade tão ampla de pensamento em seu seio. Para eles só existe pluralidade quando existem tendências. Nada mais falso. Também naturalizando a ideia que muitos têm do que é um PC. Enfim, o PCB é realmente um partido eclético. Como foi o Partido Bolchevique, como foi o partido Socialdemocrata alemão nos seus melhores anos, como foi o partido comunista alemão na época de Rosa Luxemburgo. E se alguns têm dúvidas sobre qual é a melhor forma para um PC: se um PC monolítico com todos tendo a mesma visão sobre tudo ou comportando uma variedade de pensamento, mas preservando a unidade na ação, recomendo ler:

"A crise do movimento comunista" de Fernando Claudín.
"A era dos extremos" Eric Hobsbawm.
"Partido e Revolução: 1848-1989" de Marcelo Braz.
"O século Soviético" Moshe Lewin.
"O colapso da modernização" R. Kurtz.
"História do bolchevismo" A. Rosenberg.
"História do marxismo" dirigido por E. Hobsbawm.
"As luta de classe na URSS – a trilogia completa" Charles Bettelheim.

Jones Manoel é graduando em História pela Universidade Federal do Pernambuco e militante da UJC/PCB.


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