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150216 alineBrasil - Cartografias da Infância - [Aline Carvalho] "O lado negro da história".


“Se eu sou mesmo afrodescendente, eu quero saber as histórias da África, porque mesmo que não apareça a moral, como nas fábulas, elas têm uma moral escondida que você aprende.

 Os heróis negros desses contos ajudam as pessoas a respeitar os outros, ensinam que ninguém vive sozinho, isolado. São todos um conjunto para combater o preconceito, a fome.” (Fonte: Geledés.org.br)

As palavras acima foram ditas por Gustavo, um garoto de 10 anos, estudante da rede pública de ensino do estado de São Paulo, em uma entrevista. Ele havia sido questionado sobre suas impressões acerca do Projeto Leituraço, que traz aos alunos contos e histórias africanas. Apesar da pouca idade, o menino Gustavo nos traz uma importante reflexão.

Num universo de lindas princesas com pele branca como a neve, lábios vermelhos como o sangue, cabelos pretos como o ébano ou loiros como o amanhecer, suntuosos castelos e príncipes montados em lindos cavalos brancos, como está sendo inserida na literatura infantil a imensa riqueza e beleza da cultura africana? Como têm sido contadas as histórias da África, e qual a importância e o papel dos professores educadores nesse aspecto?

A inserção de personagens negros nas histórias literárias voltadas ao público infantil no Brasil ocorre a partir do final da década de 20 e início da década de 30, durante o século XX. Num contexto histórico marcado pela recém-saída da escravidão, a representação da cultura negra por meio dos personagens das histórias infantis estava fortemente ligada a um retrato da condição “inferior” dos mesmos, a uma expressão de subalternidade. Em nenhuma das representações de personagens negros daquela época, os traços da cultura africana eram ressaltados ou citados de forma positiva – mas era evidenciado o fato de não saberem ler e eram retratados de modo pejorativo.

A partir do ano de 1975, surge uma preocupação por parte de alguns autores de representar a sociedade brasileira de outra maneira. Com isso, os personagens negros nas histórias infantis figuram com maior frequência, numa tentativa de introduzir a esse público assuntos até então não debatidos pela sociedade – muito menos por crianças e jovens –, como o preconceito racial.

A intenção original, no entanto, muitas vezes não conseguia ser alcançada. A preocupação em conscientizar acerca da discriminação recorrente nas vivências do cotidiano e a necessidade de mudar a forma de tratar esse outro terminavam por retroceder a representações que iam no sentido oposto. Ainda havia, naquele contexto, uma superioridade do homem branco com relação aos que antes eram cativos – apesar de agora livres, ainda eram vistos como menores. Os personagens mostravam que eram os brancos os detentores da beleza, da colocação social e das qualidades evidenciadas e que se deveria desejar possuir.

A partir da década de 1980, alguns livros iniciam o que mais tarde viria a ser uma ruptura com as antigas formas de inserir o negro e seus traços culturais nas histórias. Começam a entrar em cena a relutância em aceitar a discriminação, a necessidade de buscar uma identidade cultural até então negada, a possibilidade de exercer diferentes papeis na sociedade e de possuir uma cultura que deva ser valorizada.

Com outro olhar (e sem vendar os olhos), nos deparamos com as novas abordagens trazidas pela literatura contemporânea de um negro positivado e imerso em outros contextos sociais. No que se refere às novas formas de representação, Souza (2003) elenca os seguintes pontos: inserção de traços e símbolos da cultura afro-brasileira, das religiões de matrizes africanas, da capoeira, da dança e dos mecanismos de resistência; valorização da mitologia e das religiões como forma de ressignificação da ancestralidade e da tradição oral; ilustrações mais diversificadas. Os livros infantis e juvenis que trazem histórias da África ganham maior espaço no mercado editorial. Cito aqui algumas das obras que pertencem a essa nova forma de contar a África: Obax, um conto africano, escrito e ilustrado pelo brasileiro André Neves; Num tronco de Iroko vi a Iúna cantar, de Erika Balbino, ilustrado pelo grafiteiro Alexandre Keto;  As tranças de Bintou, escrita por Sylviane A. Diouf; A cor da ternura, escrito por Geni Guimarães.

Sabemos que há ainda um longo caminho a ser percorrido. Mesmo com a crescente presença dos personagens negros, estes ainda se mostram escassos mediante a imensa valorização da cultura e interesses europeus, fazendo com que muitas obras apresentem em seu cerne histórias marcadas por uma representação estereotipada do negro. Apesar do aumento nas publicações, existe ainda um descompasso entre a quantidade de obras publicadas e o número de obras adotadas pelas escolas. Sabemos também que nem todas as histórias infantis e juvenis que abordam personagens negros os trazem a partir do mesmo viés que as obras citadas aqui, e entendemos que os parâmetros sociais nos quais estamos inseridos, infelizmente, ainda seguem padrões eurocêntricos – mas entendemos também que essas obras aqui trazidas nos fornecem modelos e nos abrem caminhos, por assim dizer, para algo muito maior que deve ser construído e disseminado pelo nosso país. E, principalmente, mostrado para as crianças negras no âmbito escolar – para que se identifiquem e se vejam com outro olhar, para que sintam orgulho da imensa riqueza cultural que carregam.


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