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23748478541 20833fafd8 zBrasil - Diário Liberdade - [Renato Nucci Jr.] Para os políticos velhacos e certas frações hegemônicas do grande capital no bloco no poder, o processo de impeachment de Dilma Rousseff sempre figurou ao longo de quase todo o ano de 2015 mais como uma ameaça, do que uma possibilidade real.


Presidenta Dilma Rousseff. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR (CC BY-NC-SA 2.0)

Diante de uma grave crise econômica, ficava clara qual seria a intenção de usar a medida extrema de retirar do cargo uma presidente recém-eleita. Para o grande capital, cujo mandato de Dilma representa uma de suas frações, especialmente a fração funcionante-interna, medidas de ajuste econômico e fiscal deveriam ser tomadas para debelar os efeitos da crise, jogando-os nas costas do proletariado e mesmo do pequeno e médio capital. As medidas seriam um profundo corte nos gastos públicos visando privilegiar os credores da dívida pública, realizar um novo ciclo de privatizações (incluindo ampliar a participação estrangeira na Petrobrás) e rebaixar o valor da força de trabalho retirando direitos, como o projeto da terceirização, cuja tramitação no Congresso não foi refutada enfaticamente pelo governo, e o do Programa de Proteção ao Emprego apresentado pelo governo e aprovado na Câmara, que permite a redução da jornada e do salário.

A ameaça do impeachment, portanto, foi usada ao longo de 2015 como arma para chantagear o governo, imobilizá-lo e, desse modo, arrancar mais concessões. As razões expostas nos levam a concluir que o ponto central da crise política em curso esteve sempre na grande desconfiança e descrença política manifestada pelas classes sociais ao segundo mandato de Dilma, cada uma por razões obviamente diferentes. Desconfiança e descrença que não surgiram de maneira espontânea, a partir de medidas tomadas pelo governo, mas que foram construídas pelo grande capital. A intenção clara era a de forçar o governo a se comprometer ainda mais com um programa de ajuste econômico-fiscal de interesse das frações hegemônicas do grande capital.

Para estas, portanto, principalmente sua fração rentista-associada, a desconfiança orbitava, por tais motivos, sobre a capacidade de Dilma emplacar as medidas de ajuste econômico-fiscal. Incentivando ainda mais o clima de desconfiança obrigaria o governo, refém de uma política de conciliação com o grande capital que sustenta uma governabilidade pautada pelo mais puro fisiologismo e desgastado junto a parcelas importantes do proletariado, a ceder muito mais do que gostaria.

Já para as classes dominadas, aqui incluídas desde o proletariado urbano e rural até os diferentes estratos das camadas médias urbanas, imperava por razões distintas uma insatisfação com as condições de vida.

Para o proletariado, o novo ciclo de expansão capitalista conhecido nos mandatos petistas, acentuou os níveis de exploração e agravou as contradições de nossa formação econômico-social. A ampliação do consumo de bens duráveis, bem como o acesso a uma gama de serviços, submeteram ainda mais suas necessidades à dinâmica mercantil em um cenário ainda de baixos salários. Estudos apontam que mais de 90% dos empregos gerados ao longo da primeira década do novo século pagavam até 1,5 salários mínimos [1]. Outro aspecto da desconfiança e da perda de popularidade do governo Dilma junto ao proletariado está no descumprimento de suas promessas de campanha de não mexer em direitos trabalhistas, “nem que a vaca tussa”, tampouco aplicar uma política econômica que produzisse desemprego e recessão. Pois bem, antes mesmo de sua posse Dilma mexeu em direitos previdenciários como a pensão por morte e atacou o seguro-desemprego, prejudicando os jovens desempregados demitidos de seu primeiro emprego ao exigir um tempo mínimo de carência para acessar o benefício. As taxas de desemprego cresceram nos últimos meses por causa das medidas de ajuste, tornando-se as maiores nos últimos anos.

Para parcelas das camadas médias ocorreu uma inflação no valor dos serviços prestados por um terciário de baixo dinamismo econômico. Outra razão está na perda relativa de prestígio promovida pelo acesso a certos bens de consumo. Por fim, camadas médias mais tradicionais, cujos rendimentos estão em parte aplicados na especulação financeira, formaram com a fração rentista-associada da burguesia, uma zona de interesses comuns. No caso da Petrobrás, uma legião de pequenos e médios investidores viu o preço das ações desabarem, após estourar os escândalos da Operação Lava-Jato. Com a oposição de direita se mostrando eficaz em associar a corrupção na empresa com o governo petista, cresceu a raiva de parte dessas camadas médias contra o PT, seus governos e tudo o que represente qualquer pensamento de esquerda.

As expressões político-partidárias da oposição de direita (principalmente PSDB, DEM, PPS e crescentes setores do PMDB), aproveitaram a incapacidade da esquerda em capturar a insatisfação popular manifestada pelo proletariado desde 2013, para ampliarem sua base social de apoio e emparedarem tanto quanto podiam o governo Dilma. Arrancaram várias concessões utilizando o impeachment como ameaça permanente. Como os mandatos petistas pautaram sua relação com o Congresso de forma fisiológica, temiam confrontar as decisões tomadas principalmente pela Câmara dos Deputados, dirigidas pelo nefasto Eduardo Cunha (PMDB/RJ), para não acentuar seu desgaste e ver sua base parlamentar se erodir ainda mais. Alguns dos setores mais afoitos da oposição de direita, buscando responder aos anseios de suas bases sociais tradicionais formadas pelos setores mais conservadores e retrógrados das camadas médias, apostaram suas fichas no impeachment e por ele trabalharam. Ilustra o caso o senador Aécio Neves, candidato derrotado por Dilma na disputa presidencial, pelo senador tucano pela Paraíba, Cássio Cunha Lima, e pelos deputados federais Carlos Sampaio, do PSDB, e do DEM, Ronaldo Caiado. Por não terem responsabilidades de governo podiam jogar o jogo que a arquibancada queria ver, diferente dos governadores tucanos Geraldo Alckmin de São Paulo e Marconi Perillo de Goiás, ambos contrários ao impeachment durante vários meses.

Contrastava essa posição de políticos a serviço de certas frações do grande capital, intermediários destas no âmbito da relação com os aparelhos de Estado, com a opinião de porta-vozes do próprio grande capital. Pesos pesados da burguesia brasileira passaram a não nutrir muita credibilidade pelo PSDB, principalmente a partir de agosto, quando o partido utilizando da tática do “quanto pior melhor”, boicotou as propostas do governo Dilma para aplicar o ajuste econômico e fiscal. E a partir de outubro, aproximadamente, posicionaram-se contra o impeachment e cobraram dos setores tucanos mais responsabilidades políticas, exigindo o fim do boicote ao governo, pois prolongaria a crise política afetando ainda mais a economia. Citamos dois exemplos. O primeiro de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Banco Bradesco, para quem “As pessoas precisam ter grandeza de separar o ego pessoal do que é melhor para o país” e apela para que “políticos, Executivo, autoridades – têm de pensar grande. Precisamos ter a grandeza de buscar convergências”. O outro é o de Paulo Guilherme Aguiar Cunha, presidente do Conselho de Administração do Grupo Ultra, quarto maior grupo capitalista privado do país, para quem o impeachment agravaria a crise política, pois “seria uma guerra e iria cindir o país ao meio”, e defendeu a redução dos juros e a desvalorização do câmbio como forma de garantir o crescimento econômico.

Ocorria paulatinamente um esvaziamento da pauta do impeachment. Quando a situação política parecia se normalizar, o impeachment voltou à pauta no final de novembro. Tratou-se de uma clara retaliação do presidente do Congresso, Eduardo Cunha, ao Partido dos Trabalhadores. Os petistas membros no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados votaram pela abertura de processo investigatório contra Cunha, devido às volumosas provas sobre a existência de contas bancárias não declaradas na Suíça e por sua participação em alguns esquemas da Lava-Jato. A possibilidade agora concreta do impeachment obrigou os diferentes atores políticos a se reposicionarem na conjuntura. Contudo, a nosso ver, a abertura do processo de impeachment não pode ser creditada apenas a uma decisão insana e enfurecida de Eduardo Cunha. Há um cálculo político frio presente nessa iniciativa.

Apontamos acima que o impeachment foi utilizado como ameaça permanente ao mandato de Dilma, obrigando-a a fazer ainda mais concessões ao grande capital. Essa constatação não pretende colocar o PT como vítima de uma grave chantagem política operada por figuras torpes como Eduardo Cunha. O campo majoritário petista tem grande responsabilidade pelo quadro político sinistro que vivemos, com trágicos reflexos na consciência, organização e disposição de luta da classe trabalhadora brasileira. Executou uma política desastrosa de conciliação de classe com o grande capital, ignorou toda e qualquer luta por reformas e mudanças democráticas e populares, além de construir uma forma de governabilidade baseada no fisiologismo e em uma relação com os partidos aliados, pautada pela mera distribuição de cargos e verbas, ou seja, no toma-lá-dá-cá típico da política brasileira, valendo-se, assim, dos mesmos meios utilizados pelos partidos tradicionais e moribundos, contribuindo para uma desmoralização da esquerda brasileira junto a parcelas importantes da população.

Voltando ao nosso tema, como apontávamos, a retomada do processo de impeachment não pode ser atribuída exclusivamente ao revanchismo de Cunha. Considerando a pressão do grande capital para arrancar do governo um ajuste fiscal e econômico de seu interesse, torna-se perceptível a partir de setembro uma mudança no grau exigido desse ajuste. Este deixa de ser encarado como uma medida momentânea e passageira. Aproveitando-se das atuais fragilidades do movimento popular, almejam impor um ajuste profundo e perene, aniquilando da Constituição da República os direitos sociais, econômicos e trabalhistas conquistados. Além da exploração desapiedada do povo, a fração rentista-associada tem no mecanismo da dívida pública, uma via para repartir em condições mais favoráveis aos seus interesses a mais-valia globalmente produzida. Tratam de apresentar a atual crise, por esse motivo, como um problema fiscal, ou seja, o Estado estaria gastando mais do que arrecada, tudo para justificar uma completa “faxina” na Constituição nos capítulos dos direitos sociais e trabalhistas. Frações do grande capital parecem ter emitido um sinal ao governo. Ajudamos a esvaziar a pauta do impeachment e garantir um mínimo de governabilidade, mas, em troca, queremos um ajuste muito mais profundo. Em suma, busca o grande capital aprofundar o processo de pilhagem típico do neoliberalismo.

Amparam nosso argumento três situações. Duas delas são dois editoriais de diários cujas opiniões expressam as posições de frações importantes do grande capital, um da Folha de São Paulo de 13 de setembro e outro de O Globo de 16 de setembro. Exigem, no caso da Folha, “A contenção de despesas [que] deve se concentrar em benefícios perdulários da Previdência”, “subsídios a setores específicos da economia e desembolsos para partes dos programas sociais”, bem como “uma desobrigação parcial e temporária de gastos compulsórios em saúde e educação, que se acompanharia de criteriosa revisão desses dispêndios no futuro”. Já no caso de O Globo, critica-se a tentativa de se instituir “uma espécie de ‘estado de bem-estar’ da Europa Ocidental numa economia de baixa renda”.

A terceira situação a reforçar nosso argumento em torno de uma mudança no grau de ajuste desejado pelas frações hegemônicas do grande capital pode ser vista no documento divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães, ligada ao PMDB, intitulado “Uma Ponte para o Futuro”. Para evitar crises fiscais recorrentes, a solução apresentada pelos peemedebistas passaria por “mudar leis e normas constitucionais”. Acusam as despesas públicas primárias em áreas como saúde, educação e assistência social, justamente aquelas que não possuem natureza financeira, como principais vilãs do endividamento do Estado. A solução apresentada pelo documento seria eliminar as despesas obrigatórias, acabando “com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação”. Outra medida seria impor “o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais”. O objetivo maior é o de alcançar “o equilíbrio fiscal de longo prazo”.

Nota-se claramente no documento apresentado pelo PMDB uma guinada do partido, especialmente de sua seção paulista ao qual o vice-presidente Michel Temer é ligado, para posições idênticas às do PSDB. Fica explicado por que Temer passou a agir às claras como um dos artífices do impeachment. Tenciona o vice de Dilma cacifar-se, junto às frações burguesas, como alternativa capaz de resgatar a credibilidade política para aplicar as medidas de ajuste fiscal e econômico. Porém, os últimos movimentos de Temer, como sua carta a Dilma tornada pública e ridicularizada por seu conteúdo mesquinho, bem como a divisão no interior do PMDB e a denúncia de que o próprio Temer teria cometido o mesmo crime de responsabilidade de Dilma no exercício do cargo, as chamadas “pedaladas fiscais”, desqualificaram-no para esse papel como alternativa de governabilidade para a crise.

O documento apresentado pela ala de Temer, todavia, não tem consenso dentro do próprio partido, caso do senador paranaense Roberto Requião, que aproveitou encontro da agremiação para criticá-lo duramente. O racha no interior da sigla, opondo dirigentes partidários de estados como Paraná, Rio de Janeiro e Alagoas ao comando nacional encabeçado por Temer, denuncia a existência de posições distintas quanto à política econômica em curso. Renan Calheiros, senador peemedebista por Alagoas, encabeça uma frente interna cujo propósito é o de tirar o controle nacional do PMDB das mãos de Temer. Ele já contaria com o apoio maciço de dirigentes peemedebistas dos estados de Alagoas, Paraná, Pará, Amazonas, Rio de Janeiro, Piauí e Ceará. E um ponto importante nessa disputa interna está no caráter da política econômica em curso, pois para Renan ela deveria adotar um viés “desenvolvimentista”.

Constata-se, portanto, que não é casual a pauta do impeachment ser retomada no momento em que frações da burguesia pretendem agravar o grau de ajuste econômico. O motivo, além das possibilidades abertas para partidos e políticos alijados da máquina de Estado realizarem suas negociatas, não pode ser creditado apenas à fúria revanchista de Cunha. Sua causa pode estar na constatação de certas expressões político-partidárias mais autênticas do grande capital, principalmente da fração rentista-associada, de que seria possível espremer ainda o governo, obrigando-o a fazer reformas que significariam um rompimento completo com sua base social de apoio, tornando-o ainda mais fraco e passível de ser manobrado ao bel prazer. Cumprir-se-ia assim a maldição lançada por Aloysio Nunes, ex-guerrilheiro e agora senador tucano por São Paulo, que nas primeiras manifestações da direita pelo impeachment de Dilma, no começo de 2015, afirmou que o objetivo seria fazer o governo sangrar até 2018, quando ocorreria nova eleição presidencial.

Dentre as expressões organizativas da burguesia a querer o impeachment está a outrora poderosa Fiesp. Seu presidente, Paulo Skaf, um ardoroso defensor do governo em passado recente e que teve muitas de suas reivindicações atendidas, como a redução no valor da tarifa de energia para a indústria. Parece contraditória essa posição de Skaf, nas aparências um “líder industrial”, mas a verdade é que a Fiesp é usada por ele como um instrumento para fazer política. Seus interesses capitalistas privados se desenrolam longe de qualquer atividade industrial produtora de mais-valia, ou de uma atividade funcionante, como classifica Marx. Na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral por causa de sua candidatura a governador de São Paulo, em 2014, demonstra-se que a atuação empresarial de Skaf se concentra na área de empreendimentos imobiliários. O caso de Skaf revela um fenômeno cada vez mais comum: o deslocamento de parte importante da burguesia paulista das atividades “produtivas” (comércio e indústria) para atividades “especulativas” como finanças e empreendimentos imobiliários.

Outras organizações representativas de frações da burguesia não chegam a ponto de pedir o impeachment, mas no geral concordam com o documento do PMDB. É o caso do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), cujo documento intitulado “Para Vencer a Crise” não chega a apelar para o impeachment, mas reproduz as mesmas exigências do documento peemedebista: “promover cortes ou eliminação de programas governamentais não essenciais”, “restringir ao máximo a vinculação de gastos públicos”, “promover a desindexação geral da economia e das despesas públicas, ressalvada a correção pela inflação das aposentadorias e benefícios sociais”, tudo para “dotar o governo de instrumentos para que ele efetivamente tenha condições de manejo dos orçamentos públicos, o que as medidas acima permitem. Com isso, a política fiscal obterá flexibilidade, podendo assim assegurar a compatibilidade entre o crescimento do gasto público e o aumento das receitas”.

Como ambos expressam os interesses da fração funcionante-interna da burguesia brasileira, como explicar sua adesão a uma duríssima política de ajuste fiscal de interesse muito maior da fração rentista-associada? No caso de Skaf, como demonstramos, seus vínculos econômicos se concentram na especulação imobiliária. Precisamos considerar, também, que as frações burguesas podem se mostrar divididas quanto às linhas gerais da política econômica em vigor. Seu papel é o de utilizar os mecanismos políticos do Estado para definir uma nova repartição da mais-valia globalmente produzida. Nesse ponto, a fração funcionante-interna é unânime em reivindicar a redução na taxa básica de juros ou uma taxa de câmbio capaz de lhe garantir capacidade de concorrer com produtos similares importados. Todavia, essa exigência não a coloca em confronto aberto com os interesses da fração rentista-associada, para quem a atual política econômica baseada no sacrossanto tripé macroeconômico em vigor desde o segundo mandato de FHC (ajuste fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante), atende completamente seus interesses. Esse entrelaçamento, primeiramente, nem sempre as coloca em campos politicamente antagônicos, pois parte da burguesia “produtiva” também tem seus investimentos aplicados na “especulação” com títulos da dívida pública, como forma de compensar uma queda de lucros nas atividades funcionantes. Em segundo lugar, visando preservar seus interesses e buscar arranjos políticos que permitam uma acomodação mais benéfica para ambas, unificam-se nos ataques aos direitos da classe trabalhadora e do povo para reduzir o valor da força de trabalho, aumentando os níveis de exploração e de extração de mais-valia.

Outro ponto a ser considerado para a retomada do impeachment está no desdobramento das investigações da Operação Lava-Jato, que começa a bater à porta do PSDB e de seus principais caciques. Existem evidências da participação do vice-presidente Michel Temer na distribuição de propinas originadas de favorecimentos a certas empresas a partir de contratos com a Petrobrás. Retomar a pauta do impeachment poderia servir para, em momento posterior, com Dilma destituída e um consórcio tucano-peemedebista no comando dos aparelhos de Estado, ambos agirem para abafar a continuidade das investigações e o consequente surgimento de novas denúncias envolvendo-os. E de quebra, alijariam o PT como um concorrente eleitoral de peso.

Recusar a proposta de impeachment está correto, pois sua aprovação abrirá as portas para um ajuste ainda mais agressivo, cujo significado é o de simplesmente eliminar direitos sociais e trabalhistas da Constituição. A produção legislativa em 2015, sob a batuta do nefasto Eduardo Cunha, provou o quanto o grande capital aliado à bancada evangélica e ruralista querem fazer o Brasil retroagir em termos econômicos, políticos e sociais [2]. Por essa razão, um processo de impeachment resultaria em um fortalecimento significativo dos setores políticos mais conservadores e reacionários da sociedade brasileira, cujas perspectivas de classe defendem um aprofundamento do retrocesso social, da criminalização dos movimentos sociais e do obscurantismo cultural e social. Contudo, mesmo diante desse quadro, deve-se continuar a ser feita uma oposição sem trégua ao governo Dilma. Sua política de ajuste aumentou os níveis de exploração da classe trabalhadora, ao produzir desemprego e recessão econômica. E nada garante que para se segurar no caso, mesmo sob o risco de perder o apoio completo de sua base social, Dilma e o PT não aceitem a proposta de ajuste fiscal permanente defendido por frações da burguesia brasileira. Nelson Barbosa, o novo ministro da economia, não só sinaliza a manutenção do ajuste fiscal e uma reforma da previdência com a implantação de uma idade mínima para aposentadoria, como sinalizou sem entrar em muitos detalhes sobre a realização de uma reforma das relações trabalhistas. Neste caso, presume-se que o governo defenderá a tese do negociado sobre o legislado, abrindo as comportas de uma exploração ainda mais degradante da classe trabalhadora brasileira.

Tendo em vista um cenário no qual o atual governo é ruim e a oposição de direita é pior, os comunistas e socialistas classistas e combativos, em sua busca por saídas tendem a querer pegar atalhos políticos que não levam a lugar algum. Dentre eles destacamos a convocação de novas eleições gerais e a proposta de uma constituinte exclusiva visando uma reforma política. Ambas desconsideram o atual quadro de despolitização presente no seio das massas populares, cujas propostas de uma saída eleitoral para a crise serviriam para alargar o espaço institucional dos setores politicamente mais reacionários da sociedade, legitimando suas ações retrógradas. Sem dúvida alguma serviria, no atual quadro, como meio da oposição de direita concentrar a insatisfação social em seus candidatos e alcançar uma vitória eleitoral retumbante, sem ter de recorrer a expedientes e manobras políticas como a do impeachment.

Sem a pretensão de esgotar o debate, tampouco o de arrogar nessas breves linhas a solução para os problemas enfrentados atualmente pela luta popular, acreditamos que o principal caminho dos comunistas e socialistas classistas e combativos continua sendo o de aprofundar a organização e a luta popular contra os ataques aos nossos direitos promovidos pela política de ajuste econômico-fiscal do governo, caso este não sofra o impeachment. A consciência política requerida para superarmos o atual quadro político, ainda amplamente desfavorável aos trabalhadores e ao povo, passa por organizar a luta a partir das necessidades mais sentidas pela população. E para tanto, precisamos construir uma política de inserção no movimento de massa, estabelecendo relações orgânicas com o mesmo.

Campinas/SP, dezembro de 2015.

[1] POCHMANN, Márcio, Nova Classe Média? O Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira, Boitempo, 2012: São Paulo.

[2] Dentre os projetos aprovados pelo Congresso brasileiro sob o comando de Eduardo Cunha destacamos: (1) o projeto de lei que amplia a terceirização para as atividades-fins das empresas; (2) a redução da maioridade penal; (3) caracterização do trabalho escravo como aquele em que o trabalhador perde sua liberdade de locomoção, quando hoje o conceito envolve inclusive condições degradantes de trabalho; (4) transferência da demarcação de terras indígenas do poder executivo federal para o legislativo; (5) imposição de mais dificuldades para a realização do aborto legal, permitido quando as mulheres são vítimas de estupro.

Renato Nucci Jr. é militante do movimento popular.


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