Setores flagrantemente conservadores, norteados por uma cosmovisão economicamente liberal, entreguista, em regra caminhando na esteira da agenda construída pelo oligopólio da mídia, reclamam o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).
No horizonte das suas aspirações está a exclusão do PT e de qualquer segmento social ou organismo partidário, pauta ou símbolo que ao menos lembrem o universo das esquerdas. Um golpismo cujos ingredientes seriam uma rigorosa disciplina e o silêncio impostos às classes trabalhadoras, populares e medianas. O Brasil conhece muito bem essa história.
Contudo, em que pese esta expressão de golpismo ser bastante saliente e chamar a atenção, cumpre observar que a reeleita presidente Dilma não deixou de realizar um golpe sobre os seus eleitores. Por conseguinte, um golpe sobre certos parâmetros mínimos que permitem definir um regime como democrático. Temáticas e interesses sociais privilegiados na campanha eleitoral foram desavergonhadamente escanteados, mesmo antes de assumir o novo mandato. O temor da oposição ultrarreacionária e dos meios massivos de comunicação mal pode ser disfarçado.
Da reforma política e do marco regulatório da mídia, hoje, existem pálidas lembranças das promessas feitas há poucos meses. Sem lugar à dúvida, ao assumir as agendas anti-inflacionária e do ajuste fiscal, renitentemente defendidas por seu principal adversário, PSDB, Dilma e o PT frustraram as já modestas expectativas dos seus eleitores. A perda de credibilidade e de apoio têm cobrado um alto preço.
Expressão política igualmente sintonizada com práticas golpistas, isto é, também pouco ciosas com a vontade e o respeito à consulta e ao envolvimento participativo popular, consiste o incipiente ensaio de mudança do sistema político. O obscuro presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), acompanhado recentemente de atores da alta cúpula do PSDB, como José Serra, ventila a hipótese de alteração favorável ao parlamentarismo. Praticando um rastaquera e autoritário parlamentarismo de fato, parece que Cunha não quer “largar o osso”.
É importante lembrar que o parlamentarismo representa uma fórmula política plausível em sistemas partidários consistentes, dotados de partidos detentores de contornos programáticos e doutrinários. Uma variável distante do que se pode perceber no país. O número absurdamente grande de legendas, compondo um quadro de altíssima fragmentação, não permite vislumbrar um sistema parlamentarista consequente em nossas praias.
Evidentemente, o parlamentarismo, em si mesmo, não é bom nem ruim, a depender das condições de organicidade institucional e político-partidária, da existência de culturas políticas socialmente enraizadas e pujantes.
Todavia, um fator demasiadamente relevante é que se trata de assunto que não pode ser decidido a portas fechadas e no apagar das luzes, como gosta de proceder o presidente da Câmara, com seus nocivos aderentes, que o seguem por convicção ou interesse oportunístico.
Em duas circunstâncias o Povo Brasileiro se deparou com a escolha do sistema político: em 1963, por meio de plebiscito que devolvia ao presidente João Goulart os seus poderes institucionais, amesquinhados pela força das armas e do reacionarismo. Em 1993, novo plebiscito sobre sistema de governo ratificou a preferência popular pelo presidencialismo. Em ambas as oportunidades o Povo Brasileiro teve a decisão em suas mãos.
Qualquer potencial iniciativa que vise a introduzir o parlamentarismo, seguindo a nefasta trilha da prática da aprovação de projetos parlamentares às pressas e sem debate interno, muito menos sem deliberação e envolvimento públicos, só pode ser chamada de golpismo.
Um golpismo da “autocracia burguesa” – conforme definição conceitual dada por Florestan Fernandes – que buscaria atender a algumas expectativas de setores folgadamente reacionários e encurralar, senão mesmo excluir do cenário político, as forças progressistas ou qualquer laivo de esquerdismo.
Com significativo suporte midiático e financiamento empresarial de campanhas associados ao parlamentarismo, o velho método da “transação” política decisória “pelo alto” se cristalizaria de vez, com vistas a acentuar o silêncio e o apassivamento das classes subalternas. Difícil não classificar tal cenário como potencialmente ditatorial. Talvez, “la ditadura perfecta”, não?
Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF) e professor da FAETERJ-Rio/FAETEC.