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230116 sofBrasil - Diário do Pernambuco - [Marcionila Teixeira] São cinco crianças. Todas negras. Moradoras da periferia. Brincam de aprender no lixo.


Foto: Peu Ricardo/DP.

Ou aprendem enquanto brincam em meio ao descarte dos outros. A imagem foi captada pela lente sensível do fotógrafo Peu Ricardo, da equipe do Diario. O flagrante aconteceu no bairro de Rio Doce, em Olinda, nas proximidades das obras inacabadas do estádio de futebol Grito da República.

O simples clique das crianças sentadas em um sofá com os livros nas mãos já chamaria atenção pelo valor implicado no ato de ler, na sua capacidade de empoderamento, de mudança na visão de mundo. “A educação modela as almas e recria os corações. Ela é a alavanca das mudanças sociais”, disse Paulo Freire. A foto vai além. O móvel onde estão sentadas não está em um cenário acolhedor, adequado, algo como uma casa ou uma escola. E as crianças parecem nem perceber.

Crianças se interessam por livros por diversos motivos. Porque ouvem adultos próximos falarem da importância da educação, ou mesmo valorizando livros, ou são incentivadas desde muito pequenas com a narração de histórias. Mestre em planejamento em educação e coordenadora do curso de pedagogia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Elba Leicht, afirma que com as crianças leitoras do lixo de Rio Doce pode existir um ingrediente a mais. “O interesse delas pela leitura pode até ser pela dificuldade do acesso ao livro, algo importante para elas, mas que não tiveram em algum momento, por exemplo. Pode ser uma reflexão sobre uma necessidade anterior que não conseguiram satisfazer”, explica.

Sob outro ponto de vista, a imagem também pode remeter aos inúmeros personagens de superação tão valorizados socialmente, como pessoas que saíram da pobreza após estudarem em livros encontrados no lixo. No Rio Grande do Norte, por exemplo, tem a história da catadora Rosângela Marinho, cujo filho Thompson Vítor, 15 anos, foi o primeiro lugar geral no exame de seleção do Instituto Federal daquele estado no ano passado. Em Pernambuco, tem o caso de Alcides do Nascimento Lins, também filho de uma catadora e aprovado no vestibular de biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco, em 2007. Ao longo de sua curta vida, foi assassinado aos 22 anos, ele também teve acesso a livros acolhidos pela mãe depois de descartados no lixo.

Histórias de resiliência e superação em meio à miséria, sem dúvida. Entretanto, não passam de exceção. “Até porque ninguém é obrigado a ser um monstro para ser algo na vida”, disse-me, certa vez, a procuradora do Ministério Público de Pernambuco, Bernadete Figueirôa. O estado, este sim, é o responsável pela oferta de educação de qualidade para todos. A mesma que liberta.

No Brasil, 54,5% da crianças são negras, como as da foto. Mesmo assim, entre as crianças brancas, a pobreza atinge 32,9% e entre as negras, atinge 56%. Mais: uma criança negra entre 7 e 14 anos tem 30% mais chances de estar fora da escola do que uma criança branca na mesma faixa etária, apontam dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Ou seja, o simples fato de não estudar ou não trabalhar não é premissa para tornar alguém pobre. A cor da pele também conta. Mas nem sempre isso é dito às crianças. Principalmente às negras.

Importante ressaltar que livros nunca devem ser jogados no lixo. Uma alternativa para os antigos donos é entregá-los na Secretaria de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, da Prefeitura do Recife, na Rua do Brum, 93, no Bairro do Recife. O material, seja paradidático ou didático, será disponibilizado para a população nas chamadas geladeiras culturais, projeto iniciado por Sérgio Santos e que hoje tem parceria com a PCR. Os leitores têm acesso gratuito aos livros disponibilizados nas geladeiras grafitadas. Depois de lidas, as obras devem ser devolvidas, como em uma biblioteca. O município também está recebendo doação de geladeiras sem uso para investir no projeto.

Não conheço, na prática, a eficácia da iniciativa. No mínimo, ela promove a reciclagem e não o descarte. Além disso, se crianças podem se interessar pela leitura em meio ao lixo, tenho certeza de que gostariam de fazer o mesmo em um ambiente menos insalubre.


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