Ao mesmo tempo do anúncio da realização do congresso, feito pelo segundo secretário da organização e presidente da República, o general Raúl Castro, também foi divulgado e posto em circulação, com uma edição de milhares de exemplares, uma publicação de 32 páginas intitulada “Proyecto de lineamientos de la política económica y social”, um documento que, por meio de um texto introdutório e 291 propostas, começa a definir um novo modelo de política econômica, produtiva, comercial e social do país, que se espera, consiga superar a crise atual.
Esse esforço é anunciado sob o princípio de que “o sistema de planificação socialista continuará sendo a via principal para a direção da economia nacional” e com a perspectiva de que a ilha rume para a direção de uma eficiência produtiva, promova a eliminação das mais diversas formas de paternalismo geradas e estimuladas pelo próprio Estado cubano e obtenha a necessária credibilidade por parte de antigos e novos investidores estrangeiros.
O propósito da massiva distribuição do Proyecto de lineamientos...é que ele se converta em um texto debatido pelas diversas instâncias partidárias e pela população em geral, em busca de acordos, divergências e propostas de mudanças em suas propostas concretas, táticas e estratégicas. No entanto, a formulação categórica de muitos de seus pontos, a especialização necessária (em matéria econômica, financeira e comercial) para a compreensão de muitos de seus parágrafos e seu percurso pelos mais diferentes aspectos da realidade econômica cubana (desde a balança internacional de pagamentos até a produção artesanal e a recuperação de pneus) advertem que sua aplicação global é uma política em vias de fato, cuja materialização está se produzindo como parte do chamado “aperfeiçoamento do modelo econômico cubano” promovido pelo governo diante das dificuldades, incongruências e incapacidades do modelo até aqui posto em prática que, em muitos aspectos, respondeu às exigências da profunda a crise que o país atravessou na década de 1990, e que promoveu, entre outros males, a existência de uma dupla circulação monetária.
São muitos os aspectos que chamam a atenção no documento distribuído ao público, mas, sem dúvida, entre os mais notáveis destaca-se a descentralização da economia por meio da autonomia empresarial e a adoção de mecanismos econômicos e financeiros em um processo no qual se costumava aplicar decisões políticas e administrativas, muitas vezes antieconômicas, como a realidade do país demonstrou. Por isso, em uma linguagem muito precisa, o projeto partidário adverte que a existência de quase todas as empresas dependerá de sua capacidade de gerar lucros. Caso não consigam esse objetivo, essas empresas serão liquidadas. Além disso, entidades que receberam recursos do Estado serão reduzidas ao mínimo. O texto afirma, inclusive, que nos projetos solidários com outros países (parte essencial da política internacional cubana) será levado em conta o elemento econômico, um fator quase sempre ignorado nesta esfera.
Na mesma direção aparecem abundantes apelos à supressão de subsídios (que podem levar até à desaparição da caderneta de abastecimento ou racionamento, que fornece uma pequena quantidade de produtos indispensáveis a baixos preços para a alimentação de um alto percentual de famílias cubanas), à eliminação de postos de trabalho nas empresas estatais e organismos do Estado (processo já em marcha que envolve a demissão de 500 mil trabalhadores em seis meses) e ao fomento de formas não estatais de produção, serviço e posse da terra, com previsão de aumento da força laboral em cooperativas e por conta própria, tendência que é acompanhada pela implementação de uma nova política fiscal que contempla grandes impostos para os maiores lucros.
O processo de inversão econômica que iniciou em Cuba é, em todos os seus aspectos, profundo e radical, sem que isso implique grandes modificações no sistema político monopartidário e na estrutura de governo. Mas a ressonância social provocada pelas mudanças já anunciadas e por outras que ainda virão, será sem dúvida um desafio que deverá ser assumido por esse mesmo modelo político, até aqui baseado na máxima estatização, no controle centralizado, na total dependência do cidadão das estruturas produtivas, distributivas e econômicas do Estado.
Do ponto de vista da população, as mudanças mais polêmicas têm a ver, precisamente, com a nova política laboral e com a supressão de subsídios – que chega até os setores da educação e da saúde. A possibilidade de que 1% dos desempregados dos próximos meses rumem para o trabalho por conta própria, ao mesmo tempo em que os que já estavam nesta situação legalizem sua situação, parece ser uma das soluções mais complexas, levando em conta a crítica situação econômica do país (falta de insumos, materiais, etc.), a política tributária que contempla altos pagamentos ao Estado e a carestia, que voltou a aumentar recentemente, de elementos básicos para algumas produções e serviços, como a eletricidade e o combustível.
É evidente que as necessárias mudanças “estruturais e de conceitos” do modelo cubano, anunciadas há três anos pelo então presidente interino Raúl Castro, começam a tomar forma e espaço na vida social e econômica cubana. É preciso ver agora como sua implementação afetará a vida de milhões de cubanos, chamados a viver em um país onde a competitividade econômica e o trabalho substituirão o paternalismo estatal, onde a eficiência pretende ocupar o lugar do subsídio e onde se geram, inevitavelmente, desigualdades econômicas e sociais após décadas de igualitarismo, oficialmente criado e promovido (IPS).
(*) Leonardo Padura é escritor e jornalista cubano. Suas novelas já foram traduzidas para mais de 15 idiomas; seu livro mais recente, “O homem que amava os cães”, tem como personagens centrais Leon Trotsky e seu assassino, Ramón Mercader.
Tradução: Katarina Peixoto