Foto: Maduro reconhece os resultados eleitorais. Por TeleSUR.
De um total de 167 cadeiras para a Assembleia Nacional, foram confirmados 99 assentos para a oposição (Mesa da Unidade Democrática – MUD) e 46 para o bloco governista Grande Pólo Patriótico – GPP.
O GPP é formado, entre outros, pelo Partido Socialista Unido de Venezuela – PSUV, de inspiração chavista, e pelo Partido Comunista – PCV.
Resta definir a distribuição de 22 cadeiras parlamentares (17 nominais, duas em lista fechada e 3 indígenas).
O presidente Nicolás Maduro, imediatamente após a divulgação dos resultados eleitorais, reconheceu, com absoluta dignidade e emocionado, a adversidade política.
Definiu os resultados como “um tapa” no seu governo, frisando a necessidade de “retificar” os rumos do socialismo bolivariano. Conclamou os imperativos do diálogo e da paz política para superar os sérios problemas econômicos enfrentados pelo povo venezuelano.
Contudo, não deixou de salientar a pressão financeira-midiática internacional sofrida pelo bolivarianismo. Denunciou a sabotagem empresarial, que estoca alimentos e paralisa a produção.
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Com isso, fez referências históricas importantes, situando a trajetória do bolivarianismo venezuelano em uma cadeia de vítimas de golpes de Estado na América Latina: Arbenz, na Guatemala de 1954, o nosso João Goulart, em 1964, e Allende, no Chile de 1973.
Os conglomerados internacionais e brasileiros de comunicação, durante dias, alegavam inúmeros receios com a lisura da eleição.
Proclamavam a vigência de uma “ditadura bolivariana”, que perseguia a oposição e censurava a “imprensa”. No momento, a tônica do noticiário dessas empresas gira em torno do “fim do chavismo”.
Uma nota sequer de autocrítica foi feita pelos conglomerados, sobre o enquadramento noticioso terrorista usualmente adotado. O cinismo é marcante.
Com maioria parlamentar oposicionista a situação do governo Nicolás Maduro, é claro, ficará mais complicada.
A solicitação do referendo revogatório do seu mandato, dispositivo democrático e chavista previsto na Constituição, está flagrantemente no horizonte.
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As direitas do Brasil e de demais países do continente deveriam aprender com a altivez e o espírito democrático do presidente Maduro.
Dificilmente isso ocorrerá, pois o cinismo e a veia antipopular e antidemocrática encontram-se no DNA das burguesias sul-americanas, que não escondem suas origens oligárquicas e escravistas.
Por outro lado, prevalece a indiferença entre amplos setores das esquerdas brasileiras, em relação ao que ocorre na Venezuela.
Infelizmente, se às forças conservadoras se pode atribuir uma mentalidade colonizada, parcela significativa das esquerdas também não escapa a uma reverência e a uma referencialidade exógena, especialmente eurocêntrica.
A América do Sul é tida como uma estranha e o Brasil, sabe-se lá porque, concebido como uma ilha, uma flor exótica em um continente cuja formação histórica, social e econômica é similar, incidindo em um presente dotado de importantes e convergentes dificuldades, como o legado primário-exportador das economias sul-americanas.
Pouco importam as célebres recomendações de pensadores latino-americanos de proa: Simón Bolívar, José Martí, Oliveira Vianna, Manoel Bonfim, José Carlos Mariátegui, Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro, entre outros.
Pensar o Brasil e o continente a partir das suas especificidades e necessidades não é prática política e intelectual das mais recorrentes. À direita e à esquerda.
Isso posto, o caráter revolucionário e democrático da experiência bolivariana, com seu nacionalismo, anti-imperialismo e distributivismo, é inegável. Mas, o momento político e econômico é demasiadamente delicado.
Por um lado, abre-se a janela a uma conciliação com setores conservadores, cuja implicação pode ser a retração de direitos sociais e certa submissão aos desígnios do grande capital e da política externa norte-americana.
De outro, a aceleração de medidas de nacionalização econômica, para eventualmente esquivar o governo do boicote empresarial.
A adoção de mais iniciativas econômicas nacionalizantes longe está de ser uma medida trivial, haja vista, por exemplo, restrições internacionais, que asseguram, junto à OMC, inúmeras garantias indenizatórias aos investimentos externos.
A cena internacional contemporânea diferencia-se bastante do período da Guerra Fria, em que um bloco socialista servia de alternativa às nações dissidentes do unilateralismo norte-americano do mercado.
Opinião:
Uma derrota, mas não o fim da Revolução Bolivariana
A Revolução Bolivariana não está derrotada
Com efeito, não eram gratuitos os esforços de Hugo Chávez pela construção de fóruns multilaterais e alternativos nas relações internacionais. Na ordem mundial prevalecente, graves bloqueios e retaliações econômicas sempre assombram aos dissidentes.
Realmente, uma equação difícil para o governo e o povo venezuelanos, a quem cabem legitimamente as escolhas a serem feitas, sem ingerências de potências que desrespeitam o princípio da autodeterminação dos povos e se arrogam os senhores do mundo.
Em todo caso, após contínua, histérica e desrespeitosa promoção de um terrorismo midiático internacional, não seria exagero afirmar que a derrota eleitoral pode traduzir-se em uma vitória moral, nas atuais circunstâncias.
Assim, concluo com as palavras do pronunciamento do presidente Nicolás Maduro: "Com essa derrota, valeu a pena a dignidade, a transparência, a honestidade? Claro que sim! Estamos construindo uma nova sociedade, uma nova ética política, uma nova moral (...). Estamos construindo o socialismo do século XXI".
As esquerdas e, principalmente, as nossas direitas golpistas e fascistas, têm muito que aprender com a Venezuela.
Roberto Bitencourt da Silva – doutor em História (UFF), professor da Faeterj-Rio/Faetec e da SME-Rio.