No espaço de algumas semanas, o vírus se propagou em uma grande velocidade e a epidemia parece fora de controle. Trata-se da crise de ebola "maior, mais severa e mais complexa" observada desde o descobrimento da enfermidade em 1976. Altamente contagioso, o vírus é transmitido mediante o contato direto com o sangue e os fluídos corporais. Observou-se cerca de 5 mil casos e mais de 2400 pessoas perderam a vida. A Organização Mundial da Saúde fez um chamado urgente pedindo à comunidade internacional ajuda para as populações africanas abandonadas à própria sorte.[1]
Cuba respondeu imediatamente à petição das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde. Havana anunciou que mandaria, a partir de outubro, 165 profissionais da saúde para Serra Leoa, o país mais afetado pela epidemia, junto com a Guiné e a Libéria. A missão durará pelo menos seis meses e será composta por profissionais especialistas que já realizaram missões humanitárias na África.[2]
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Margaret Chan, diretora da Organização Mundial da Saúde, saudou o gesto de Cuba: "O que mais necessitamos são pessoas, profissionais de saúde. O mais importante para evitar a transmissão do ebola é ter as pessoas adequadas, os especialistas adequados e treinados apropriadamente para enfrentar esse tipo de crise humanitária". O OMS lembra que "Cuba é famosa em todo o mundo por sua capacidade de formar excelentes médicos e enfermeiros. É famosa, além disso, por sua generosidade e solidariedade aos países no caminho para o progresso".[3]
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Chan pediu que o resto do mundo, particularmente os países desenvolvidos, sigam o exemplo de Cuba e expressem a mesma solidariedade à África: "Cuba é um exemplo [...]. Tem tido a maior oferta de médicos, enfermeiros e especialistas, assim como de especialistas em controle de doenças infecciosas e epidemiologistas [...]. Espero que o anúncio feito hoje pelo governo cubano estimule outros países a anunciar seu apoio". [4] Em um comunicado, Ban Ki Moon, secretário-geral das Nações Unidas, também felicitou Cuba por sua ação : O secretário-geral recebeu calorosamente o anúncio do governo de Cuba.[5]
A Science, a mais importante revista médica do mundo, também destacou o exemplo de Cuba. "Trata-se da maior contribuição médica enviada até o momento para controlar a epidemia. Terá um impacto significativo em Serra Leoa". [6] Até o anúncio cubano, a presença médica internacional no oeste da África somava 170 profissionais segundo a OMS.[7] Agora, Cuba dará uma ajuda equivalente a todas as nações do mundo juntas.
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Roberto Morales Ojeda, ministro cubano da Saúde, explicou as razões que motivaram a decisão do governo de Havana:
"O governo cubano, como tem feito sempre nesses 55 anos de Revolução, decidiu participar desse esforço global sob a coordenação da OMS para enfrentar essa situação dramática.
Desde o primeiro momento, Cuba decidiu manter nossas brigadas médicas na África, independentemente da existência da epidemia de ebola, em particular em Serra Leoa e na Guiné-Conakry, com a prévia disposição voluntária de seus integrantes, expressão do espírito de solidariedade e humanismo característico de nosso povo e governo".[8]
Cuba sempre fez da solidariedade internacional um pilar fundamental de sua política exterior. Assim, em 1960, inclusive antes do desenvolvimento de seu serviço médico e quando tinha acabado de perder 3 mil médicos dos 6 mil presentes na ilha (que escolheram emigrar para os Estados Unidos depois do triunfo da Revolução, em 1959), Cuba ofereceu sua ajuda ao Chile depois do terremoto que destruiu o país. Em 1963, o governo de Havana mandou sua primeira brigada médica composta de 55 profissionais à Argélia para ajudar a jovem nação independente a enfrentar uma grave crise de saúde. Desde aquele momento, Cuba estendeu sua solidariedade ao resto do mundo, particularmente à América Latina, à África e à Ásia. Em 1998, Fidel Castro elaborou o Programa Integral de Saúde, destinado a responder às situações de emergência. Graças a esse programa, 25 288 profissionais cubanos da saúde atuaram voluntariamente em 32 países.[9]
Por outro lado, Cuba formou várias gerações de médicos de todo o mundo. No total, a ilha formou 38 920 profissionais da saúde de 121 países da América Latina, da África e da Ásia, particularmente mediante a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM), fundada em 1999. Além dos médicos que cursaram seus estudos na ELAM em Cuba (cerca de 10 mil graduados por ano), Havana contribuiu para a formação de 29 580 estudantes de medicina em 10 países do mundo.[10]
O Operação Milagre, lançada em 2004 por Cuba e Venezuela, que consiste em tratar vítimas de catarata e outras enfermidades oculares nas populações do Terceiro Mundo, é emblemática da política solidária de Havana. Desde tal data, cerca de 3 milhões de pessoas de 35 países recuperaram a visão, entre elas 40 mil na África.[11]
Depois do furacão Katrina, que destruiu a cidade de Nova Orleans em setembro de 2005, Cuba criou o "Contingente Internacional de Médicos Especializados no Enfrentamento de Desastres e Grandes Epidemias Henry Reeve", composto de 10 mil médicos. A ilha, apesar do conflito histórico com os Estados Unidos, ofereceu sua ajuda a Washington, que a rejeitou. A partir desse contingente, Cuba criou 39 brigadas médicas internacionais que já atuaram em 23 países[12].
Na África, cerca de 77 mil médicos e outros profissionais da saúde cubanos forneceram seus serviços em 39 dos 55 países [do continente]. Atualmente, mais de 4 mil, mais da metade deles médicos, trabalham em 32 países da África.
No total, cerca de 51 mil profissionais da saúde, entre eles 25 500 médicos, dos quais 65% são mulheres, trabalham em 66 países do mundo. Desde o triunfo da Revolução, Cuba realizou cerca de 600 mil missões em 158 países com a participação de 326 mil profissionais de saúde. Desde 1959, os médicos realizaram mais de 1,2 bilhão de consultas médicas, assistiram 2,3 milhões de partos, efetuaram 8 milhões de operações cirúrgicas e vacinaram mais de 12 milhões de mulheres grávidas e crianças.[13]
Cuba escolheu oferecer solidariedade aos povos necessitados como princípio básico de sua política exterior. Dessa forma, apesar das dificuldades inerentes a todo país de Terceiro Mundo, Cuba mandou seis toneladas de medicamentos e material médico para Gaza[14]. É um exemplo entre muitos outros. Fidel Castro explicou as razões: "Esse é um princípio sagrado da Revolução; isso é o que nós chamamos de internacionalismo porque consideramos que todos os povos são irmãos e antes da pátria está a humanidade". [15] Havana demonstra para o mundo que, apesar de recursos limitados, apesar das sanções econômicas estadunidenses que asfixiam o país, sem abandonar sua própria população (com um médico para cada 137 habitantes, Cuba é a nação melhor servida do mundo), é possível fazer da solidariedade um vetor essencial da aproximação e da amizade entre os povos.[16]
Notas:
[1] Granma, « Cuba responde al llamado de la ONU para combatir el ébola », 11 de setembro de 2014. http://www.granma.cu/mundo/2014-09-11/cuba-responde-al-llamado-de-la-onu-para-combatir-el-ebola (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[2] Cuba Debate, « Apoyo de Cuba a la lucha contra el ébola responde a la solidaridad de su Revolución », 13 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/noticias/2014/09/13/apoyo-de-cuba-a-la-lucha-contra-el-ebola-responde-a-la-solidaridad-de-su-revolucion/#.VBSAxVd42So (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Javier Ortiz, « Ban Ki Moon felicita iniciativa de Cuba contra el ébola », Cuba Debate, 13 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/noticias/2014/09/13/ban-ki-moon-felicita-iniciativa-de-cuba-contra-el-ebola/#.VBSBDld42So (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[6] Kai Kupferschmidt, "Cuba to Commit Large Health Corps to Ebola Fight", Science, 12 de setembro de 2014. http://news.sciencemag.org/africa/2014/09/cuba-commit-large-health-corps-ebola-fight (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[7] Cuba Debate, « Apoyo de Cuba a la lucha contra el ébola responde a la solidaridad de su Revolución », 13 de setembro de 2014, op. cit.
[8] Roberto Morales, « África está urgida de la solidaridad internacional », Cuba Debate, 12 de setembro de 2014. http://www.cubadebate.cu/especiales/2014/09/13/africa-esta-urgida-de-la-solidaridad-internacional/ (site consultado em 14 de setembro de 2014).
[9] Ibid.
[10] Ibid.
[11] Ibid.
[12] Ibid.
[13] Ibid.
[14] Agence France Presse, "Cuba envía 6 toneladas de medicamentos a Gaza y está dispuesta a recibir heridos", 11 de setembro de 2014.
[15] Cuba Debate, « Cuba ha colaborado en Salud con 120 países del mundo », 22 de maio de 2014.
[16] Salim Lamrani, Cuba. Les médias face au défi de l'impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, p. 41.
Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos.