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venezuela-maduroVenezuela - Opera Mundi - [Gilberto Maringoni] 1. A crise venezuelana atual tem como principal causa uma insatisfação com as turbulências econômicas pelas quais passa o país. Expressões disso são a inflação anual de 56%, a escassez de moeda forte (que gera especulação com o dólar) e o desabastecimento de alguns produtos básicos.


2. As origens das incertezas estão na crise internacional, que cortou o fornecimento de crédito para países da periferia, e em incapacidades internas na gestão da coisa pública.

3. Sem crédito e sem divisas, o país passou a depender ainda mais das vendas do petróleo como única fonte de ingresso de capitais. A PDVSA, a estatal petroleira, tornou-se o financiador do governo e de obras e serviços públicos. Com isso, perde a capacidade de reinvestir o excedente, tornando-se ineficiente e defasada tecnologicamente. É problema de difícil resolução no curto prazo. A Venezuela hoje vive na boca do caixa.

4. Aos críticos mais ácidos da cena local, pede-se que dê uma olhada na situação de países como Portugal, Espanha, Grécia e outros da América Latina, para que se perceba em que mundo estamos.

5. Pelos dados da Cepal, a Venezuela cresceu 1% em 2013. Mas foi um dos cinco países da América Latina com maiores taxas de redução da pobreza. No México – sempre citado como exemplo de boa gestão econômica – a pobreza aumentou 5%.

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6. A insatisfação atinge mais fortemente setores de classe média, que veem bloqueados seus hábitos de consumo. Há falta de gêneros de primeira necessidade, mas nem de longe há fome ou carências extremadas. Os mercados estatais – a rede Mercal – suprem minimamente demandas básicas dos setores populares.

7. As mobilizações buscam catalisar essas carências. Um indicativo é que quem sai às ruas, até agora, são estudantes de classe média e não trabalhadores ou parcelas desorganizadas dos pobres.

8. São manifestações diferentes daquelas verificadas em abril de 2013, quando da eleição de Nicolás Maduro. Ali, o foco era colocar em dúvida o processo eleitoral. A evidência era a diferença entre as votações do presidente e de seu opositor, Henrique Capriles, em torno de 1,7%.

9. Capriles levou várias semanas para reconhecer o resultado. Era fortemente pressionado por aliados a considerar o governo como "ilegítimo", o que abriria espaço para uma saída de força. A disputa entre a oposição então se escancarou. Suas parcelas mais duras acusaram o então candidato de fraquejar em suas convicções.

10. Rápida recapitulação. Em 2002, a oposição foi hegemonizada pelo setor que desferiu o golpe de Estado, em aliança com o empresariado, setores das forças armadas e a embaixada dos EUA. Até 2005, a tática dominante era a derrubada do governo pela força. Depois do golpe e do locaute petroleiro, sua cartada mais extremada foi o boicote às eleições parlamentares de 2005.

11. A expectativa era que o pleito tivesse baixíssimo comparecimento, o que abriria a possibilidade de uma ampla denúncia internacional sobre o que alegavam ser uma "farsa democrática". Isso não aconteceu e toda a oposição se isolou por vários anos.

12. Acentuou-se ali a disputa interna. Pouco a pouco a facção que defendia a aceitação das regras do jogo ganhou hegemonia, até viabilizar Henrique Capriles como candidato competitivo, em 2012.

13. Hoje Capriles é minoria no MUD (Mesa de Unidade Democrática), que congrega vários partidos de direita. O setor que demanda a ruptura institucional – cujo mote é "La salida" de Maduro – está nas ruas. Assim, chamá-los de golpistas não é forçar a barra.

14. Há condições de um golpe de Estado hoje? Pouco provável. Nas eleições municipais, em fins do ano passado, o governo ampliou sua diferença em relação à oposição. A diferença alcançou 10%. Daí a necessidade agora de se criar artificialmente a pauta do caos e propagar aos quatro ventos que há um governo ilegítimo, cuja única saída é reprimir seu próprio povo. A fala de Obama, nesta semana, condenando o governo venezuelano, insiste nessa tecla.

15. Nesse quadro, talvez a prisão de Leopoldo López não tenha sido a melhor solução. López não apenas é o líder da facção golpista, mas é, no interior da oposição, a personalidade mais articulada com a direita norte-americana.

16. Ele se mostrou hábil no ato de sua detenção. Subiu numa estátua de José Martí e fez um discurso de herói perseguido. Preso tenta ser um mártir e pode crescer politicamente com isso. Solto agora, percorrerá o país alegando que sua liberdade deve-se à força do movimento. O governo tem uma batata quente nas mãos.

17. A violência política faz parte da história venezuelana. Nos anos 1960, alguns embates entre militares sublevados e governos levaram a resultados com centenas de mortos. O Caracazo, em 1989 gerou óbitos que ultrapassavam a casa do milhar. Num país onde o porte de armas é amplamente disseminado entre a população, apoiadores dos dois lados podem criar situações potencialmente explosivas.

18. Os problemas venezuelanos de maneira alguma podem tirar de cena o essencial: o país tem um governo eleito, uma Constituição em vigor e as instituições funcionando.

19. Qualquer saída que não leve tais características em conta têm um nome: golpe de Estado. É uma diretriz a ser derrotada sem meias palavras.

Gilberto Maringoni é Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), professor de Relações Internacionais da UFABC (Universidade do ABC/SP) e autor de dois livros sobre o país: 'A Venezuela que se inventa' (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004) e de 'A revolução venezuelana' (Editora Unesp, 2009).


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