Na entrevista, Londoño explica a proposta de paz defendida pelas forças insurgentes e denuncia a política de beligerância promovida pelo governo colombiano contra os trabalhadores e suas organizações políticas e sindicais.
A Verdade – O que é a Marcha Patriótica da Colômbia e quando surgiu?
A Marcha Patriótica é um movimento político e social que surgiu em abril de 2012 para alcançar avanços nos direitos do povo colombiano e nos diálogos para superação do conflito armado, na luta pela segunda e definitiva independência.
Imediatamente, iniciamos nosso trabalho internacional e, em maio de 2013, realizamos no Brasil, em Porto Alegre, o 1º Fórum pela Paz na Colômbia, precedido de debates nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje, estamos articulando a construção do 2º Fórum, no Uruguai, em junho de 2015, e dos Pré-Fóruns nacionais em várias cidades do Brasil como forma de fortalecer a solidariedade internacional, refazer os contatos e consolidar o movimento nessas cidades.
Dentro da Marcha Patriótica há mais de duas mil organizações e movimentos políticos. Não possuímos uma plataforma revolucionária, mas o possível para esse momento. Temos 13 pontos na plataforma, são eles: solução política para o conflito social e armado, e paz com justiça social; democratização da sociedade, do Estado e do modelo econômico; modo alternativo de vida e de produção e novas formas de poder e economia; garantia da materialização dos direitos humanos por parte do Estado; dignificação do emprego e humanização do trabalho; reparação integral às vítimas da guerra e do exercício estrutural da violência; reapropriação social do território para atender as necessidades comuns; reforma agrária integral para a paz, a autonomia e a soberania alimentares; reforma urbana integral e democratização da cidade; cultura para a solidariedade e transformação da ordem social; restabelecimento da soberania nacional e autodeterminação; nova ordem mundial, internacionalismo e integração da Nossa América; continuidade das lutas pela dignidade, a emancipação e a libertação.
Como se deu início aos diálogos de paz?
É preciso ter em mente que as FARC e os movimentos guerrilheiros sempre deixaram bem claro que surgiram porque não tinham outra possibilidade. Os camponeses estavam morrendo diante dos conflitos de terra e das condições paupérrimas a que estavam submetidos, e o Estado não deixava outro caminho a não ser a luta armada. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia surgem em 1964. Em 1984/85, foi a primeira vez que as FARC sentam à mesa de diálogo com o Estado. Essa bilateral iniciou-se na Venezuela e seguiu para o México. Importante destacar que, em 1985, surge a União Patriótica, organização política legal, que foi exterminada pelo próprio Estado. De 1998 a 2002, também houve novos processos de diálogo.
O que a conjuntura nos coloca hoje para esse processo de diálogo em curso é que há um impasse. O Estado deu duros golpes na insurgência e, apesar disso, ela continua de pé. Por outro lado, a insurgência não tem conseguido tomar o poder político no país. Outro ponto importante é que o ascenso dos movimentos populares vem pedindo o fim do conflito armado e solicitando um diálogo político.
A mesa de diálogo de Havana foi anunciada em outubro de 2012 e instalada em novembro. Foi preciso um período de seis meses para determinar a pauta e mais de um ano de discussão para decidir se iriam abrir os diálogos de paz e como seria feito.
Quais são os pontos que estão sendo debatidos na mesa de Havana?
Hoje estamos debatendo seis pontos principais para superar o conflito: Terra e território, Participação Política, Uso ilícito dos cultivos e narcotráfico, Vítimas, Fim do conflito e Referendo.
Algumas metodologias foram acordadas. O princípio fundamental é que não será assinado um acordo de paz parcial. Ou será assinado um acordo de paz completo ou não será assinado.
Ainda para permitir o desenvolvimento de todos esses pontos e para o avanço do debate, haverá acordo daquilo que for possível pactuar em cada um dos pontos e o que não for possível será debatido ao fim de todo processo. Ao final de cada ponto serão acumulados esses temas e será avaliado de que forma eles serão resolvidos.
Já foi possível pré-acordar os três primeiros pontos, com documentos assinados tanto pela insurgência quanto pelo Estado, destacando os pontos não acordados para serem resolvidos mais adiante. Em cada um dos pontos há situações problemáticas.
No tema “terra e território”, o Estado se compromete com avanços importantes, mas existem vários impasses. O Estado promete dar terra aos camponeses que não têm ou têm pouca, garante mercado, vias de acesso, crédito e avanços técnicos, ou seja, garante questões fundamentais que para um país como a Colômbia são muito caras, muito importantes. Está sendo debatida a garantia de saúde e educação no campo e até aposentadoria para o trabalhador rural. São pontos muito importantes, porém, com limites muito grandes. O Estado não tem perspectiva em mexer nos interesses dos latifundiários e da burguesia nacional, ou seja, estão dizendo que farão a reforma agrária sem mexer no latifúndio e nós não aceitamos isso.
No segundo ponto, que é participação política, o governo tem se comprometido com algumas questões muito importantes, como a necessidade de garantir o acesso aos meios de comunicação, a necessidade de se ter um financiamento público das organizações, a possibilidade real de que a insurgência saia da luta armada ilegal para a participação política legal, enquanto movimento, e a possibilidade inclusive de algumas organizações ou regiões do país que nunca participaram do parlamento poderem participar sem precisar fazer o processo burocrático que tem apresentado essa “democracia” na Colômbia.
São avanços importantes, mas temos grandes limites também nesse ponto como, por exemplo, a atuação dos paramilitares. É sempre bom lembrar que o paramilitarismo é o principal aliado do Estado. Logo, de nada adianta esses direitos serem garantidos pelo Estado se o paramilitarismo continuar vivo, dificultando e impedindo que tudo isso possa ser, de fato, concretizado. Não estamos dispostos a tentar aceitar alguns desses mínimos direitos e depois sermos exterminados, como já aconteceu em várias ocasiões. Nossa posição tem sido de que enquanto o paramilitarismo existir não teremos possibilidade de assinar um acordo tranquilamente.
O Estado reconhece que o maior violador dos direitos humanos é o paramilitarismo, mas o mostra como se fossem alguns bandidos autônomos que desenvolveram esse projeto de guerra. Porém, a realidade tem mostrado que, na grande maioria das ações do paramilitarismo, como também na sua orientação política e financiamento, existe uma articulação muito grande com as estruturas estatais. Tanto que, há três anos, 70% do parlamento colombiano estava sendo investigado pelos órgãos estatais por ligação com o paramilistarismo. Ou seja, o paramilitarismo cresceu sua hegemonia até tomar 70% do parlamento colombiano.
Nesse momento, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem denunciado e condenado o Estado colombiano por ação e/ou omissão nas chacinas feitas pelo paramilitarismo. No período mais intenso do paramilitarismo, constatou-se mais de uma chacina por semana e, na maioria delas, as forças militares estavam envolvidas. Temos hoje grandes setores dos militares, alguns inclusive desvinculados da instituição, que estão falando: “nós recebemos orientações, instruções e dinheiro do exército colombiano”.
O Estado pretende dizer que o paramilitarismo é uma das maiores dificuldades para garantia da participação política no país, e nós dizemos que o paramilitarismo está tomando o Estado. Esse será um grande impasse na mesa de negociação.
Em relação ao ponto três, sobre narcotráfico, na Colômbia, os camponeses, pela sua condição de empobrecimento, muitas vezes não têm alternativa a não ser realizar o cultivo da maconha, coca e papoula. E o Estado tenta relacionar os camponeses e as FARC com o narcotráfico.
Quem planta maconha, coca e papoula é o camponês que não teve condições logísticas e financeiras para produzir outra coisa. É preciso fazer a reforma agrária para que esse camponês pare de produzir coca, papoula e maconha e produza comida, por exemplo.
Já ficou claro também que o narcotráfico não está dentro das estruturas da insurgência das FARC. O que eles faziam para poder financiar e garantir um exército de um pouco mais de 10 mil unidades guerrilheiras é cobrar imposto ao latifúndio, à burguesia, ao capital transnacional e também dos setores narcotraficantes de algumas regiões. O Estado diz que esse era o link para determinar que a insurgência era narcotraficante. Se assim fosse, é possível argumentar que a insurgência também é transnacional, burguesa, latifundiária e banqueira.
Relativamente à questão do narcotráfico, tem ficado evidente que setores do Estado estão comprometidos com esse grande negócio internacional. Por exemplo, vários generais do Exército e da Polícia estão sendo extraditados para os Estados Unidos e condenados pelas cortes norte-americanas por narcotráfico.
O quarto tema, sobre “as vítimas”, está quase acordado e já está sendo analisada a possibilidade de escrever os pré-acordos.
O tema “fim do conflito”, quinto ponto, está sendo analisado por uma subcomissão de militares e generais da República, do Exército e da Marinha e os guerrilheiros para viabilizar um acordo.
O último ponto, o “Referendo”, ainda não foi debatido na mesa de Havana, mas já se tem apontado um indicativo de como o Estado, a insurgência e a sociedade civil irão se posicionar.
A Assembleia Nacional Constituinte é nossa proposta, pois uma Constituinte compromete não só um governo, não só o governo de Juan Manuel Santos, compromete o Estado Colombiano. Se nós desenvolvermos a proposta de Referendo, que é a proposta do Estado colombiano, só comprometemos o governo, só vamos transformar o sistema político e econômico minimamente. Juridicamente, então, só transformaríamos dois artigos da nossa Constituição, levando-nos a não viver uma verdadeira transformação política e econômica.
A proposta da Assembleia Nacional Constituinte, portanto, na qual as três insurgências e a grande maioria do movimento popular têm consenso, é pela necessidade de construir outro projeto político e econômico. Não queremos reformar o que aí está, queremos superar o que aí está.
Com quais países estão sendo realizadas articulações? Qual a importância dessa articulação internacional para os diálogos de paz e para a realização do 2º Fórum?
O primeiro Fórum teve uma participação de quase 100 organizações e um pouco mais de mil pessoas. Para o segundo, estamos procurando articular a unidade de mais de 150 organizações. No Fórum anterior, nós conseguimos articular principalmente Argentina e Brasil. Neste, articulamos Argentina, Brasil, Uruguai e Colômbia. No Fórum anterior, conseguimos ter representação da maioria dos países latino-americanos e de dois ou três países europeus. Agora, queremos representação de todos os países latino-americanos e ainda mais europeus; então, é um salto qualitativo e quantitativo que queremos dar.
E este processo está sendo bem interessante. Estamos conseguindo colocar na pauta internacional o tema da Colômbia de uma forma diferente, para além da ideia do terrorismo e do narcoterrorismo.
Sobre a questão da solidariedade internacional, acreditamos que ela seja essencial. Se nós pensarmos no extermínio da União Patriótica em 1985 e olhamos para o contexto internacional, percebemos que era um contexto adverso em que a maioria dos países latino-americanos estava saindo das ditaduras e alguns deles continuavam e, portanto, era muito difícil haver um respaldo e um acompanhamento desses povos egovernos para evitar o extermínio do povo colombiano. Hoje em dia, reconhecendo a diversidade das esquerdas populares e das organizações políticas e sociais, avaliamos que estamos em um contexto muito melhor do que na década de 80. Acreditamos que esse é um novo momento e que temos governos e organizações políticas e populares comprometidas hoje em fazer esse acompanhamento. Esse acompanhamento é tão importante que as nossas atuações, pelo menos no campo da América Latina, têm procurado articular toda solidariedade a partir do Fórum pela Paz na Colômbia, mas não é a única atividade. Na Europa, por exemplo, temos articulação também. Reconhecemos que nessa outra parte do planeta há governos, partidos e movimentos que podem aportar tanto na defesa da vida dos militantes democráticos e de esquerda na Colômbia e lutar para evitar um extermínio dessas novas gerações quanto para consolidar o projeto democrático que possa vir da mesa de diálogos. Os diálogos dando certo ou mesmo se rompendo, o acompanhamento internacional será fundamental.
Como tem sido a experiência da unidade no interior da Marcha Patriótica?
Nenhuma das organizações colombianas estava com capacidade qualitativa ou quantitativa para desenvolver um processo revolucionário que transformasse o país. Cada um foi reconhecendo seus limites e suas possibilidades e vimos que a única possibilidade era a articulação. Inclusive essa era a primeira proposta da Marcha Patriótica, articular setores que ideologicamente tivessem algumas semelhanças. Então reconhecemos nossos limites, reconhecemos as nossas diferenças, mas vimos quais eram os pontos que compartilhávamos e começamos a desenvolver essa proposta. Não tem um projeto revolucionário na Marcha Patriótica, não estamos apontando quais as estruturas para construir o socialismo ou o comunismo. Nós estamos tentando construir o que nesse momento é possível, mas sem esquecer que o que fazemos agora, na medida das possibilidades, é simplesmente o passo inicial para superar o que temos. Em momento algum falamos que queremos democracia burguesa na Colômbia; o que falamos é que precisamos de alguns direitos democráticos para abrir o jogo político da luta de classes com mais clareza e a partir dai superar a burocracia e a democracia burguesas.
Qual a importância dos diálogos de paz?
Os diálogos de paz nos darão uma nova oportunidade. Nós, infelizmente, temos desenvolvido um sistema econômico e político autocrático, que não se apresenta como ditadura, mas que tem resultados ainda piores que as ditaduras latino-americanas.
Segundo a OIT, 50% dos sindicalistas mortos no mundo são colombianos, apesar de termos apenas 4% dos trabalhadores sindicalizados. Na Colômbia, o número de desaparecidos é cinco vezes maior do que na Argentina no tempo da ditadura militar. Temos 150 mil desaparecidos, 9.500 presos políticos e menos de 20% são guerrilheiros; os mais afetados pelo conflito armado são os camponeses.
Sabemos que a Revolução Russa foi baseada, em um primeiro momento, sobre as reivindicações de pão, paz, terra e liberdade. Não foi buscando o comunismo, foi respondendo aos interesses imediatos dos trabalhadores para, a partir dali, consolidar o processo revolucionário. É um pouco disso que estamos pensando. Vamos atender os interesses dos camponeses com a reforma agrária, dos estudantes com a reforma da educação, do povo da cidade com a reforma urbana. E então criar as condições para realmente pensar em um processo revolucionário pleno. Portanto, devemos escutar as principais necessidades do povo e ter na construção dos diálogos de paz uma nova oportunidade.