A expectativa foi crescendo durante as últimas semanas diante das iminentes mudanças que foram sendo adiadas. No começo de julho, o presidente bolivariano havia anunciado "uma Revolução dentro da Revolução, para dar maior poder ao povo".
Na noite de terça-feira, no Palácio de Miraflores, Maduro finalmente revelou as incógnitas apresentando o que denominou de "uma nova etapa histórica da Revolução", dirigida a "uma refundação do Estado".
A reestruturação vem precedida da necessidade de fazer frente à guerra econômica, que gera inflação e desabastecimento, e em particular de uma crítica profunda de amplos setores do próprio chavismo, diante da evidência de mecanismos de burocratização do Estado, que nas palavras do presidente "ainda tem resquícios do Estado burguês", viciado em corrupção e burocracia.
O presidente desenvolveu extensamente o marco político no qual se projeta esta nova etapa, realizando uma caracterização histórica das lutas populares na Venezuela e apontando a necessidade de construir uma nova ética política e mecanismos de participação mais profundos.
"Os homens e mulheres que estamos à frente das instituições, das forças políticas e sociais, somos homens e mulheres que devemos ao povo. Não temos dívidas com nenhum grupo da oligarquia nacional ou das oligarquias transnacionais", assegurou. "Só devemos ao povo, à nossa história e ao sonho da Pátria Grande que temos, que nos deixara já encaminhada, bem adiantada, nosso Comandante Supremo Hugo Chávez, com orientações bem precisas."
Quanto poder tem o povo
"Cada um dos companheiros, companheiras, que terá em suas mãos responsabilidades nesta nova etapa da Revolução, deve assumir com inteira energia transformadora, refazer tudo, transformar tudo para servir ao povo. Tem que ser iniciada uma nova etapa da Revolução Bolivariana na ordem ética, política e econômica", insistiu Maduro durante seu discurso, que foi transmitido em cadeia nacional.
"Um elemento para medir se vamos realmente avançando na direção correta é quanto poder tem o povo. Poder real", afirmou.
O presidente convocou a superar o Estado herdeiro do Estado colonial, "um Estado para o saqueio do povo trabalhador, baseado em expropriar por meio das receitas petroleiras todo o povo da Venezuela". Reivindicou o período aberto com o Caracazo, em 1989, como "o tempo do despertar do povo, quando se tomaram as bases de um processo popular constituinte que segue sua marcha".
'Cinco grandes revoluções dentro da Revolução'
Após falar sobre as conquistas sociais dos últimos 15 anos, Maduro chamou a construir as condições para a construção de uma sociedade "que não retroceda de volta ao capitalismo".
Em primeiro lugar, as tarefas da etapa passam por avançar em uma Revolução econômica, que desenvolva uma economia diversificada, com capacidade para satisfazer as necessidades materiais do país, e que, portanto, seja menos dependente das divisas e menos vulnerável à ação dos grupos econômicos importadores, recurso que caracteriza a burguesia na Venezuela há quase um século, a partir da matriz monoprodutora de petróleo. "Só uma economia com essas características pode garantir a estabilidade do país nos próximos anos", assegurou.
Vinculado a isso, a segunda revolução que convocou é a do conhecimento, da cultura, da ciência e da tecnologia.
Em terceiro lugar, o aprofundamento da Revolução das missões sociais, para o qual há alguns meses integrou todas as iniciativas em um sistema de "Misiones", que tem como principal objetivo garantir educação, saúde, alimentação e moradia a toda a população e em particular, levar a pobreza extrema dos 6,5% à zero.
Depois apontou para a Revolução Política do Estado, a qual dedicou a maior ênfase de seu discurso. "O objetivo é transformar todas as estruturas e os restos do Estado burguês e construir um Estado democrático popular, um Estado nas mãos do povo."
Reivindicou que este processo se sustenta "na vontade e na vocação de poder político do povo, da mulher e do homem popular". Segundo assinalou, isso é fundamental para garantir as transformações profundas, "porque o povo pode adormecer e deixar que pouco a pouco uns burocratas tomem o poder por eles. E depois os burocratas terminem nas mãos de grupos econômicos e quando menos esperarmos, voltam a se regenerar as velhas formas de governar, dominar e saquear a Pátria. Essa é a verdadeira contrarrevolução, a qual vai silenciosa, por baixo, conquistando espaços, corrompendo funcionários", advertiu.
Para isso serão impulsionadas instâncias específicas de participação popular e articulação com a Presidência e se desenvolverá um processo de simplificação dos trâmites públicos. Para o primeiro ponto, o anúncio mais importante foi a criação dos Conselhos Presidenciais Populares. Em 23 de setembro será instalado o Conselho de Mulheres, em 30 de setembro o de Jovens, em 7 de outubro o da Classe Operária, em 12 de outubro o dos Povos Indígenas, em 14 de outubro o dos Camponeses e Pescadores e em 21 de outubro o da Cultura. Esses se somarão ao Conselho Presidencial das Comunas, instalado no mês de julho, depois que foi anunciado em um massivo ato no Poliedro de Caracas em 17 de maio.
Por último, a quinta transformação a que convocou é a Revolução do socialismo territorial, "para a consolidação do modelo comunal, para que assumamos entre todos o novo modelo ecossocialista". A cargo dessa tarefa estará um peso pesado da direção política da Revolução, Elías Jaua, que deixa a chancelaria nas mãos de Rafael Ramírez, que era vice-presidente econômico, ministro do Petróleo e presidente da PDVSA, no que formou o núcleo central das trocas de nomes nas pastas ministeriais. Jaua será vice-presidente de Desenvolvimento Territorial e ministro das Comunas, substituindo Reinaldo Iturriza, que assumira a Cultura.
Mais mudanças em vice-presidências e ministérios
Entre as mudanças mais importantes, será criada a vice-presidência de Seguridade e Soberania Alimentar, que estará a cargo de Iván Gil, até então ministro da Agricultura.
A vice-presidência econômica ficou a cargo de Rodolfo Marco Torres, que continuará na Economia. Nessa linha de governo predominará a continuidade, com José David Cabello como ministro da Indústria, Andrés Izarra no Turismo e duas caras novas mas com fortes laços com Ramírez: Asdrúbal Chávez no Petróleo e Eulogio Del Pino na PDVSA.
Agora a expectativa está em ver quais medidas concretas de política adotará a anunciada revisão. Enquanto algumas vozes críticas do chavismo advertem sobre a possibilidade de algum nível de conciliação com o setor privado, outras destacam o fortalecimento das Comunas e a contundência do chamado à superar a burocracia e a corrupção, os dois principais inimigos internos que a Revolução Bolivariana enfrenta nesta etapa.