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110814 havanaColômbia - Anncol - [Alberto Pinzón Sánchez] A crise abarcou todo o processo em seu conjunto, quando através da discussão sobre as vítimas do conflito se chegou aonde se tinha que chegar: à determinação da verdade sobre as responsabilidades concretas de seus iniciadores desde o poder.


O presidente em seu despacho, curvando uma sobrancelha e franzindo o nariz, faz um gesto de desagrado ao ministro quando lê o informe. Este, inquieto, chega a seu escritório, manda chamar o chefe da divisão, lhe assinala no papel o erro e lhe faz saber seu aborrecimento.

O chefe da divisão, já com ansiedade [geralmente por seu cargo], chama o profissional especializado que lhe elaborou o paper e levantando a voz lhe diz que é inaudita uma falha dessa natureza e que, ademais, espera não se volte a repetir. Uma vez o homem em seu escritório, presa de mau humor e frustração como coagulações do medo a ficar sem salário, espera silencioso e impaciente a hora de saída para ir para sua casa; ao chegar mau humorado, sua esposa, que o conhece, evita qualquer indiscrição que agrave sua ira. No entanto, algum pequeno incidente é aproveitado pelo homem para desafogar sua frustração e agredir verbalmente a sua esposa, quem se retira choramingando para seu aposento.
 
Na manhã seguinte, o filho de poucos anos, na hora do café da manhã, faz um mau movimento e derrama o suco sobre a toalha da mesa. A mãe o agarra pela orelha, esfrega-a dizendo-lhe que não pode voltar a repetir essa terrível má ação. O menino, choroso e reprimido, ao sair se encontra no caminho com o cachorro da casa, que lhe acompanha; porém, em lugar de uma carícia, lhe desfere uma patada cruel em seu corpo. O cachorro grunhe e vai correndo para o canil com o rabo entre as pernas. Um pouco depois, o gato do vizinho aparece na barda divisória e o cachorro, feito uma fúria, se projeta contra o gato que brinca apavorado e foge por terra. O cachorro o persegue, o alcança e, depois de uma sonora refrega, o gato morre estripado.
 
Nesta historinha, fruto de meus tantos anos de trabalho na burocracia estatal colombiana e de experiência profissional como médico aficionado à psiquiatria, a “vítima” é o gato do vizinho, enquanto o “culpável” é o cachorro do profissional especializado que trabalha naquele ministério; ainda que, para mirar melhor as coisas ou, como dizem, para mudar o ângulo do problema, poderíamos esmiuçar um pouco mais as circunstâncias deste veredito pessoal.
 
O primeiro que salta à vista é que, nesta complexa cascata da culpabilidade descendente, as vítimas e os vitimários são uma unidade dialética: isto é, não pode haver vítima sem vitimário e vice-versa.
 
Em seguida, podemos ver que o fluxo descendente da culpa, que sempre se condensa nos níveis inferiores ou rasos, inclui uma parte pública e outra privada, quer dizer que haveria que aplicar várias e diferentes normas, desde as contempladas no direito administrativo e no direito familiar até as normas e códigos sociais da convivência entre vizinhos e –por que não?-, se o vizinho põe uma demanda pela morte de seu gato, até o direito e o código penal, pois no direito colombiano a palavra culpa [que tem um significado religioso e emocional] é sinônimo de responsabilidade objetiva.
 
Qual é a finalidade de toda esta historinha? Muito simples: a partir de semelhanças e diferenças, expor algumas opiniões sobre o momento extremamente crítico pelo qual está passando o processo de paz de Havana, surgido justamente a partir da discussão que se está dando em Colômbia sobre o assunto das vítimas do conflito.
 
I. Porque, vamos dizer, pra começo de conversa: não é como está dizendo alguém na esquerda eleitoral que fez crise a imposição do governo Santos de “negociar a paz no meio da guerra”, senão que a crise abarcou todo o processo em seu conjunto, quando, através da discussão sobre as vítimas do conflito, se chegou aonde se tinha que chegar: à determinação da verdade sobre as responsabilidades concretas de seus iniciadores desde o poder, já não de culpas emocionais indefinidas como na época da Violência liberal-conservadora, onde só é possível chegar por meio do estabelecimento de sua “verdade histórica”.
 
A articulação da divisão no bloco oligárquico e a recomposição do “santo-urubismo”, catalisado pelo debate parlamentar proposto pelo senador de esquerda Iván Cepeda ao iniciador e promotor do paramilitarismo em Colômbia Uribe Vélez foi possível por dois fatos sociais já bem estabelecidos:
 
Um, a cooptação de um amplo setor da esquerda eleitoral que JMSantos fez para sua reeleição presidencial. E outro, a quase destruição do ascendente movimento social independente pela solução política ao conflito social e armado da Colômbia, que vinha em auge e que agora está praticamente em refluxo.
 
O que deu como resultado a valentia de Santos para ameaçar a mesa de Havana e satisfazer a demanda uribista para o novo pacto democrático do santo-uribismo, onde terá um papel dominante o senador Name, presidente atual do Congresso vinculado ao grupo paramilitar costenho e quem, como ele mesmo se define, é “um homem santista, porém que respeita muitíssimo ao ex-presidente Uribe”.
 
O paradoxo para o povo trabalhador é que, por evitar que a mesa de Havana fosse destruída pelo fantoche de Uribe Vélez, como argumentou a esquerda eleitoral, vamos chegar ao mesmo, porém por mão de quem fora eleito por suas vítimas. Quantos dirigentes da Marcha Patriótica e de outros movimentos sociais o regime de Santos Uno matou?
 
II. O processo de Havana, além disso, fez crise geral porque existe uma grande defasagem entre o conhecimento “especializado” que têm uns poucos “yuppies palacianos” e negociadores em Havana do que significa o conceito críptico de “Justiça transicional” e o total desconhecimento que deste tema tem todo o resto da sociedade colombiana, incluído o grosso da chamada Força Pública, a qual, por esta razão, é vítima da demagogia de Uribe Vélez, quem aproveitou esta ignorância [e do fato de que a Força Pública na prática se comporta como um partido político anticomunista] para sobre esta base propor-lhes as leis de foros militares, tribunais militares e demais leis de impunidade na qual estão interessados os criminosos de guerra da cúpula ou dirigentes, os quais acompanharam-no incondicionalmente, enquanto a maioria de processados são militares de baixo escalão e rasos da base sem voz nem voto.
 
III. Seguros de que o governo Santos Dois em sua valentia ao ter-se recomposto a unidade oligárquica não terá acesso a modificar os critérios para autorizar um cessar-fogo bilateral, corresponde então ao movimento social em marcha reativar-se com energia e, dentro de sua palavra de ordem geral de lutar pela solução política ao conflito social e armado, reapresentar uma série de tarefas políticas concretas que lhe permitam conquistar este objetivo supremo:
 
1 – Que se pactue em Havana uma “trégua bilateral permanente” sem a qual não é possível continuar avançando nos pontos restantes da agenda para finalizar o conflito colombiano.
 
2 – Que se abra um debate amplo na sociedade colombiana sobre o que o atual governo de Santos entende pelo conceito críptico de Justiça transicional [transição para onde?], primeiro sobre seus dois principais direitos: a verdade e a justiça, para depois debater sobre a reparação e a não repetição.
 
3 – Que, para entender e resolver o complicado assunto das vítimas e responsabilidades concretas de cada uma das partes no conflito, se componha já a tão mencionada comissão da verdade histórica e se lhe dote dos elementos que lhe permitam estabelecer, seja provisoriamente, uma verdade aproximada do sucedido, como passo fundamental para resolver o ponto terceiro da agenda e continuar avançando para a finalização dos demais pontos da agenda pactuada.
 
4 – Entender definitivamente que sem a mobilização social ampla e democrática pela solução política, o governo de JM Santos sem antagonista sério defronte, chantageará permanentemente a mesa de Havana para seu benefício próprio e o de sua classe social neoliberal, e porá sempre o povo trabalhador colombiano no fio da espada exterminadora do Estado.
 
Tradução: Joaquim Lisboa Neto

Texto extraído de Resumen Latinoamericano.

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