Também desenvolvem exercícios militares em países limítrofes com a Rússia na chamada operaçom “Atlantic Resolve”, algumhas dessas operaçons som realizadas a uns 100 quilómetros de Sam Petersburgo [1].
Além disso, intensificam-se informaçons acerca de umha nova ofensiva do governo de Kiev contra a regiom do Donbass [2], aumenta a circulaçom de naves de guerra da NATO no Mar Negro, continuam as velhas guerras imperiais no Iraque e no Afeganistám, às quais se acrescentou a seguir a ofensiva contra a Síria (passando pola Líbia)… e muito mais…
Evidentemente, o Império está lançado numha catastrófica fuga militar para a frente, estendendo as suas operaçons a todos os continentes; encontramo-nos em plena guerra global. Nem os grandes meios de comunicaçom, nem os dirigentes internacionais mais importantes registároam publicamente o facto, todos falam como se vivêssemos em tempos de paz, só em alguns poucos casos surgem alguns deles a advertirem sobre o risco de guerra mundial ou regional. Umha exceçom recente é a do Papa Francisco, quando afirmou que atualmente nos encontramos perante “umha terceira guerra mundial”, que ele descreve como a desenvolver-se “por partes” ainda que sem designar os contendores e com vagas referências à “cobiça” e a “interesses espúrios”, com a linguagem confusa e jesuítica que o carateriza [3] .
Cada mês, acrescenta-se algum novo indício que anuncia a proximidade de umha nova recessom global muito mais forte e extensa do que a de 2009. O capitalismo, a começar polo seu polo imperialista, foi-se convertendo velozmente num sistema de saqueio no qual a reproduçom das forças produtivas fica completamente subordinada à lógica do parasitismo. As elites imperiais e as suas lumpen-burguesias satélites “necessitam” super-explorar até o extermínio os seus recursos naturais e mercados periféricos, para sustentar as taxas de lucro do seu decadente sistema produtivo-financeiro.
As tendências globais rumo à decadência económica exprimem-se de múltiplas maneiras no dia a dia. Dentre elas, a volatilidade dos preços das matérias-primas, o petróleo, por exemplo, chave mestra da economia mundial, cujo estancamento extrativo (que nom conseguiu ser ultrapassado polo show mediático em torno do “milagroso” petróleo de xisto) combina-se com desaceleraçons da procura internacional como ocorre atualmente. A isso somam-se golpes especulativos e geopolíticos que convertem os mercados em espaços instáveis onde as manobras de curto prazo imponhem a incerteza.
O curto-prazismo especulativo hegemónico engendra pacotes tecnológicos depredadores, como a mineraçom a céu aberto, a fraturaçom hidráulica ou a agricultura com base em transgénicos, acompanhados por operaçons políticas e comunicacionais que degradam, desarticulam sistemas sociais, procurando convertê-los em espaços indefesos diante dos saqueios.
O optimismo económico da época do auge neoliberal deu lugar ao pessimismo do “estancamento secular” agora apregoado polos grandes peritos do sistema [4] . Eles indicam que a salvaçom do capitalismo nom chegará a partir da economia, condenada a sofrer recessons ou crescimentos insignificantes, o melhor é nem falar demasiado desses tristes temas. Entom a guerra ascende ao primeiro plano, algum massacre protagonizado por tropas regulares ou mercenários, algum bombardeio, alguma ameaça de ataque na Europa do Leste, Ásia, África ou América Latina. Os meios de comunicaçom esmagam-nos com essas notícias; porém, ninguém fala da guerra global.
Todo acontece como se a dinámica da guerra se tivesse autonomizado, mas empregando um discurso embrulhado, difícil de entender. Mas assim como os super-poderes dos homens de negócios dos anos 1990 nom eram independentes e sim compartilhados no interior de umha complexa trama de poderes (políticos, mediáticos, militares, etc) que em termos gerais costuma-se denominar como “classe dominante”, também a aparente autonomia do militar dificulta-nos vermos as redes mafiosas de interesses onde se apagam as fronteiras entre os seus componentes. As elites da era neoliberal tenhem sofrido mudanças decisivas, experimentando mutaçons que as convertêrom em classes completamente degeneradas que, cada vez mais, só podem recorrer à força bruta, à lógica da guerra. Nom se trata, portanto, de a componente militar se autonomizar e si; antes, de que as elites imperialistas se militarizam. Elas já nom seduzem com ofertas de consumo mais algumas doses de violência, agora só propagam o medo, ameaçam com as suas armas ou utilizam-nas.
Progressismos latino-americanos
Dentro desse contexto global, devemos avaliar os progressismos latino-americanos [5] que se instalárom na base das crises de governabilidade dos regimes neoliberais.
Os bons preços internacionais das matérias-primas durante a década passada, somados a políticas de contençom social dos pobres, permitírom-lhes recomporem a governabilidade dos sistemas existentes. Nalguns desses casos, desenvolvêrom-se alargamentos ou renovaçons das elites capitalistas e em quase todos eles prosperárom as classes médias. Os governos progressistas iludírom-se supondo que as melhorias económicas iriam permitir-lhes ganhar politicamente os referidos setores mas, como era previsível, ocorreu o contrário: as camadas médias iam para a direita e, enquanto ascendiam, olhavam com desprezo os de baixo e assumiam como próprios os delírios mais reacionários das suas burguesias. A explicaçom é simples, na medida em que som preservados (e ainda fortalecidos) os fundamentos do sistema e em que os seus núcleos decisivos radicalizam o seus elitismo depredador, seguindo a rota traçada polos Estados Unidos (e “Ocidente” em geral) produz-se um encadeamento de subculturas neofascistas que vam de cima para baixo, do centro para as burguesias periféricas e destas para as suas camadas médias. Na Venezuela, Brasil ou Argentina, as classes médias melhoravam o seu nível de vida e, ao mesmo tempo, despejavam os seus votos nos candidatos da direita velha ou renovada.
Estabeleceu-se um conflito interminável entre governos progressistas que tornavam governáveis os capitalismos locais e direitas selvagens ansiosas por realizar grandes roubos e esmagar os pobres. O progressismo, confrontado politicamente com essa direita qualificada de “irresponsável”, cujos fundamentos económicos respeitava, chantageava aqueles na esquerda que criticavam a sua submissom às regras do jogo do capitalismo utilizando o papom reacionário (“nós ou a besta”), acusando-os de fazerem o jogo da direita. Na realidade, o progressismo é um grande jogo favorável ao sistema e em última análise à direita, sempre em condiçons de retornar ao governo graças à moderaçom, à “astúcia” aparentemente estúpida dos progressistas que, por vezes, consegue cooptar esquerdas claudicantes cuja obsessom em “nom fazer o jogo da direita” (e simultaneamente integrar-se no sistema) é completamente funcional à reproduçom do país burguês e em consequência a essa detestável direita.
Agora o jogo começa a esgotar-se. Os progressismos governantes, com diferentes ritmos e variados discursos, assediados polo arrefecimento económico global e polo crescente intervencionismo dos Estados Unidos, vam perdendo espaço político. Em vários casos, as suas dificuldades fiscais pressionam-nos a ajustarem despesas públicas (e em nengum caso a reduzir os super lucros dos grupos económicos mais concentrados), a aceitar as devastaçons da megamineraçom ou a adotar medidas que facilitam a concentraçom de rendimentos. No Brasil, o segundo governo Dilma colocou um neoliberal puro e duro no comando da política económica, encurralado por umha direita ascendente, umha economia oscilando entre o estancamento e a recessom e umha intervençom norte-americana cada vez mais ativa. No Uruguai, o novo governo de Tabaré Vazquez mostra um rosto claramente conservador e no Chile a presidência Bachelet nom precisa correr demasiado à direita, depois da sua rosada demagogia eleitoral afirma-se como continuidade do governo anterior e, em consequência, passada a confusom inicial, herdará também a hostilidade de importantes faixas de esquerda e dos movimentos sociais.
Na Argentina, o núcleo duro agro-mineral exportador-financeiro e os grupos industriais exportadores mais concentrados estám mais prósperos do nunca, enquanto a ingerência norte-americana se alarga, conduzindo o jogo de fantoches políticos rumo a umha ruptura ultradireitista. Na Venezuela, a eterna transiçom rumo a um socialismo que nunca acaba de chegar nom conseguiu ultrapassar o capitalismo, ainda que torne caótico o seu funcionamento, forjando desse modo o cenário de umha grande tragédia. Por enquanto, só a Bolívia parece salvar-se da avalanche, afirmando-se na maior mutaçom social da sua história moderna, sem superar o ámbito do subdesenvolvimento capitalista, mas recompondo-o e integrando as massas submersas, multiplicando por mil o que tinha feito o peronismo na Argentina entre 1945 e 1955 (de qualquer forma, isso nom a liberta da mudança de contexto regional-global).
Na América Latina assistimos a um processo de crise muito profundo onde convergem progressismos declinantes com neoliberalismo integralmente degradados, como na Colômbia ou no México, conformando um panorama comum de perda de legitimidade do poder político, avanços de grupos económicos saqueadores e ativismo imperialista cada vez mais forte.
A este panorama sombrio é necessário incorporar elementos que dam esperança, sem os quais nom poderíamos começar a entender o que está a ocorrer. Por baixo dos truques políticos, dos negócios rápidos e das histerias fascistas, aparecem os protestos populares multitudinários, a persistência de esquerdas nom cooptadas polo sistema (para além dos seus perfis mais ou menos moderados ou radicais), a presença de insurgências incipientes ou poderosas (como na Colômbia).
Nem os cantos de sereia progressistas nem a repressom neoliberal pudérom fazer desaparecer ou marginalizar completamente esses fantasmas. Realidade latino-americana que preocupa os estrategas do Império, que temem o que consideram como a sua inevitável arremetida contra a regiom poda desencadear o inferno da insurgência continental. Nesse caso, o paraíso dos grandes negócios poderia converter-se num grande atoleiro onde afundaria o conjunto do sistema.
Geopolítica do Império, integraçons e colonizaçons
A estratégia dos Estados Unidos aparece articulada em torno de três grandes eixos; o transatlántico e o transpacífico que apontam num gigantesco jogo de pinças contra a convergência russo-chinesa centro motor da integraçom euro-asiática. E a seguir, o eixo latino-americano destinado à recolonizaçom da regiom.
Os Estados Unidos tentam converter a massa continental asiática e sua ampliaçom russo-europeia num espaço desarticulado, com grandes zonas caóticas, objeto de saqueio e super-exploraçom.
Os recursos naturais, assim como os laborais, desses territórios constituem o seu centro de atençom principal, na elipse estratégica que cobre o Golfo Pérsico e a Bacia do Mar Cáspio estendendo-se em direcçom à Rússia encontram-se 80% da reservas globais de gás e 60% das de petróleo e na China habitam pouco mais de 230 milhons de operários industriais (aproximadamente um terço do total mundial).
A América Latina aparece como o pátio das traseiras a recolonizar. Ali se encontram, por exemplo, as reservas petrolíferas da Venezuela (as primeira do mundo, 20% do total global), cerca de 80% das reservas mundiais de lítio (num triángulo territorial compreendido polo Norte do Chile e Argentina e polo Sul da Bolívia) imprescindível na futura indústria do automóvel elétrico, as reservas de gás e petróleo de xisto do Sul argentino, fabulosas reservas de água doce do aquífero guarani entre o Brasil, o Paraguai e a Argentina.
Umha das ofensivas fortes do Império na década passada foi a tentativa de constituiçom da ALCA, zona de livre comércio e investimentos que significava a anexaçom económica da regiom por parte dos Estados Unidos. O projeto fracassou, a ascensom do progressismo latino-americano, somado à emergência de potências nom ocidentais, sobretodo a China, e o atolamento estado-unidense na sua guerra asiáticas fôrom fatores decisivos que, em diferentes medidas, debilitárom a investida imperial.
Mas a partir da chegada de Obama à presidência os Estados Unidos desencadeárom umha ofensiva flexível de reconquista da América Latina: foi posta em marcha umha complexa mistura de pressons, negociaçons, desestabilizaçons e golpes de estado. Os golpes brandos com êxito nas Honduras e no Paraguai, as tentativas de desestabilizaçom no Equador, Argentina, Brasil e sobretodo na Venezuela (onde se vai perfilando umha intervençom militar), mas também a tentativa em curso de extinçom negociada da guerrilha colombiana e a domesticaçom de Cuba fazem parte dessa estratégia de recolonizaçom.
A mesma é implementada através de umha sucessom de tentativas suaves e duras tendente a desarticular as resistências estatais e os processos de integraçom regional (Unasul, Celac, Alba) e extra-regionais periféricos (BRICS, acordos com a China e a Rússia, etc) assim como a bloquear, corromper ou dissolver as resistências sociais e as alternativas políticas mais avançadas, em curso ou potenciais. Tentando levar avante umha dinámica de desarticulaçom mas procurando evitar que a mesma gere rebelions que se propaguem como um rastilho de pólvora numha regiom atualmente muito inter-relacionada.
Sabem muito bem que em muitos países da regiom a substituiçom de governos “progressistas” por outros abertamente pró-imperialistas significa a ascensom de camarilhas enlouquecidas que no curto prazo causariam situaçons de caos que poderiam desencadear insurgências perigosas. Alguns estrategas do Império acreditam poder neutralizar esse perigo com o próprio caos, desenvolvendo “guerras de quarta geraçom”, instalando diferentes formas de violência social desestruturante combinadas com destruiçons mediático-culturais e repressons seletivas. Nesse sentido, o modelo mexicano é para eles (por agora) um paradigma interessante.
Temem, por exemplo, que um cenário de caos fascista na Venezuela derive numha guerra popular que os obrigaria a intervir diretamente num conflito prolongado, o que somado às suas guerras asiáticas os conduziria a umha super extensom estratégica ingovernável. É por isso que consideram imprescindível obter o apaziguamento da guerrilha colombiana, potencial aliada estratégica de umha possível resistência popular venezuelana.
O panorama é completado com o processo de integraçom colonial dos países da chamada Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile). A isso somam-se os tratados de livre comércio de maneira individual com países da América Central e outros como o Chile e a Colômbia e o velho tratado entre EUA, Canadá e México.
Integraçom colonial e desarticulaçom, manipulaçom do caos e fortalecimento de pólos repressivos, Capriles mais Peña Nieto, Ollanta Humana mais Santos mais bandos narco-mafiosos… todo isso dentro de um contexto global de decadência sistémica onde a velha ordem unipolar declina sem ser substituída por umha nova ordem multipolar. Tentativa de controlo imperialista da América Latina submersa na desordem do capitalismo mundial.
O cérebro do Império nom consegue superar as mazelas do seu corpo envelhecido e doente, os delírios reproduzem-se, as fugas para a frente multiplicam-se. Evidentemente encontramo-nos num momento histórico decisivo.19/Março/2015
Notas
[1] Finian Cunningham, “NATO’s Shadow of Nazi Operation Barbarossa”, Strategic Culture Foundation, 13/03/2015
[2] Colonel Cassad, “Ukraine: Reprise de la guerre au printemps?”, http://lesakerfrancophone.net/ le 13 mars 2015
[3] “El papa Francisco advirtió que vivimos una tercera guerra mundial combatida ‘por partes’ “,http://www.lanacion.com.ar , 13 de septiembre de 2014
[4] Laurence H Summers, “Reflections on the ‘New Secular Stagnation Hypothesis’” y Robert J Gordon, “The turtle’s progress: Secular stagnation meets the headwinds” en “Secular Stagnation: Facts, Causes, and Cures”, CEPR Press, 2014.
[5] Utilizo o termo “progressista” no sentido mais amplo, desde governos que se proclamam socialistas ou pró socialistas como na Venezuela ou Bolívia até outros de corte neoliberal-progressista como os do Uruguai ou Brasil.