João Pereira Coutinho, comentador que cultiva a imagem de enfant terrible da direita portuguesa e escreve no Correio da Manhã e na Folha de S.Paulo, desferiu recentemente um ataque ao cinema português, praticamente no mesmo dia em que milhares de pessoas se manifestaram diante da Assembleia da República para chamar a atenção que esta forma de arte está paralisada devido à total falta de apoios que o governo tem dado.
Na sua coluna, desvaloriza os recentes prémios conquistados por João Salaviza e Miguel Gomes, e afirma que “metidos no prego... rendiam mais.”
Abaixo, reproduzimos na íntegra a resposta de Salaviza.
RESPOSTA DE JOÃO SALAVIZA A JOÃO PEREIRA COUTINHO
Caro João Pereira Coutinho,
O meu nome é João Salaviza e sou um dos senhores de "chapéu na mão" que menciona no seu artigo ( www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/genios )
Escrevo-lhe para elogiar a clareza do seu pensamento, bem como a genialidade da sua capacidade sintética: em quatro curtos parágrafos tenta reduzir a zero o esforço que um filme leva a fazer e, melhor ainda, apelidar de mendigos os milhares de pessoas que têm dado tudo para fazer com que o Cinema Português continue a existir, mesmo em condições que são cada vez mais adversas. Bem sei que foram muitos os indigentes que no dia 9 se sentaram nas escadas da Assembleia para assistir a uma projeção de cem anos de filmes portugueses.
André Malraux disse um dia que "A cultura, sob todas as formas de arte, de amor e de pensamento, através dos séculos, capacitou o homem a ser menos escravizado". Parece fundamental esta ideia, precisamente por contrariar a sua visão puramente economicista. Nos tempos que correm o discurso dominante aponta para novas formas de escravatura: medo do défice, medo da dívida, medo da troika, medo de perder o emprego, medo de tudo. Não percebe, Sr. Coutinho, que hoje mais do que nunca precisamos da arte e da cultura para combater estas falsas inevitabilidades? Precisamos de criar novos mundos, e não é com números que o vamos fazer.
É pedir-lhe muito o esforço de entender que a cultura gera uma riqueza que é, acima de tudo, emocional e intelectual?
No pequeno texto da coluna que convictamente intitula "A Voz da Razão" (haja confiança!), o Sr. Coutinho consegue só falar de dinheiro, como se tudo na vida se resumisse ao binómio investimento & lucro: "investidor internacional"; "(...) de chapéu na mão em busca do dinheiro público", "diversificação das fontes", "chantagear a caridade do Estado", e "Metidos no prego, desconfio que os prémios do cinema português rendiam mais."
Sr. Coutinho: é inadmissível! Em primeiro lugar porque como jornalista deveria pelo menos informar-se antes de falar: tanto o filme RAFA (do mendigo João Salaviza) como o filme TABU (do mendigo Miguel Gomes) tiveram "investidores internacionais", e isso aconteceu antes dos prémios. A "caridade" veio de França, da Alemanha e do Brasil. Portanto, pergunto-lhe: é por desleixe e por estar mal informado, ou omitiu propositadamente estes factos?
Finalmente, acho que é de um enorme atrevimento insinuar que se está a "chantagear a caridade do Estado". Em primeiro lugar, porque o cinema português nunca recebeu dinheiro do orçamento de Estado, apenas de uma taxa de 4% sobre a publicidade, portanto se existe sector em Portugal que não beneficia de subsídios e apoios estatais esse sector é exatamente o do Cinema. Em segundo lugar, porque é precisamente o oposto da caridade aquilo que se pretende: um país onde exista o sentido de dever, por parte do Estado, de estabelecer condições para que os seus artistas criem em Liberdade.
Aproveito, Sr. Coutinho, para convidá-lo a assistir a um dos filmes portugueses que estão agora em exibição nos cinemas. Pode ser que lhe renda qualquer coisinha.
João Salaviza