Dos autores de «colaborador» e «empreendedor», chega-lhe agora «migrante» a mais recente aquisição lexical da comunicação social da classe dominante.
A semântica da luta de classes é um dos termómetros mais fidedignos das estratégias em confronto. Quando as pitonisas da comunicação social dominante nos dizem que uma criança palestiniana morreu no «fogo cruzado», quando atirava pedras num «território disputado», o que no fundo querem dizer é que o valor da vida humana varia na proporção directa do lucro que possa gerar.
O aluvião deste novo termo, até aqui ausente do discurso mediático, pretende matar dois coelhos de uma cajadada. Por um lado, a expressão «migrantes» permite tratar os refugiados e os imigrantes como nómadas que decidiram migrar. Por serem migrantes como as aves não importa que morram cinco ou seis... afinal, já se sabe, não é por morrer uma andorinha que morre a primavera. São uma «praga», como lhes chamou David Cameron, inoportuna que vem aproveitar-se dos «benefícios» europeus. Por outro lado, estes «migrantes» são destituídos, pela palavra, do móbil da sua tragédia pelos demiurgos das guerras imperialistas que arrasaram a Síria e a Líbia, do saque capitalista que depreda a África oriental e do terrorismo islamita engendrado pelos EUA.
Mais sucintamente, o objectivo racista da palavra «migrantes» é ressuscitar o conceito nazi de untermensch, ou sub-humanos, equiparando os refugiados a «ciganos» e legitimando a barbárie ilimitada. Não se pode construir um muro no coração da União Europeia para impedir os refugiados de escapar à morte, mas pode-se fazê-lo contra «migrantes» que vêm de férias. Não se pode usar arame farpado para cortar a carne de bebés que morrem de fome, mas pode-se fazê-lo contra «migrantes» que chegam para «pôr em causa os nossos sistemas de segurança social». Não se pode enfiar refugiados em campos de concentração, mas pode-se fazê-lo contra os «migrantes» que vêm destruir os «costumes europeus».
Fonte: Manifesto 74