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António Santos

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O Fantasma de João Mau-Tempo

Por que arde Barcelona?

António Santos - Publicado: Sexta, 30 Mai 2014 10:16

 

Ontem foram detidas mais 28 pessoas na terceira noite de manifestações populares contra a demolição do Centro Social Ocupado «Can Vies». O Miguel, um amigo barcelonês, contava-me ontem da presença de unidades especiais de polícia, de cargas com centenas de polícias e de registos domiciliários.

 


 

E entretanto, a comunicação social mostra-nos apenas as chamas que estas noites aquecem Barcelona, escondendo ao mesmo tempo a brutalidade da polícia e as razões dos protestos. Mas se Can Vies fosse só uma casa ocupada, não seriam mobilizados helicópteros armados. Se esta fosse apenas uma questão autárquica e urbanística, não atacariam os manifestantes com canhões de água carregados de esgoto. O que se está a passar em Barcelona ultrapassa largamente as fronteiras do nosso tempo, da Catalunha e do Estado espanhol.

Can Vies, símbolo arquitetónico do bairro de Sants, foi sede do Sindicato dos Trabalhadores do Metro de Barcelona. Quando a Guerra Civil foi perdida, o edifício foi expropriado pela Câmara Municipal franquista e nunca, até aos nosso dias, foi devolvido ao sindicato. A fétida «transição para a democracia» manteve intacta a propriedade fascista e deixou incólume nos pedestais a estrutura de poder. Quando o edifício devoluto foi ocupado em 1997 e devolvido ao seu legítimo proprietário, o povo, foram os netos dos vencedores de 39 que se sentiram desalojados.

A história de Can Vies nunca foi pacífica: ao longo dos últimos 17 anos a Câmara tentou destruir este espaço centenas de vezes, recorrendo às leis, às armas e à intoxicação informativa (chegaram a dizer que a ETA fazia formação em Can Vies), mas o povo de Sants mudou o seu coração para este espaço e encheu-o de música, de ideias e sorrisos. Fez dele um centro cultural erguido pelo povo e para o povo, com uma riquíssima agenda cultural gerida de forma autónoma. O que incomodava verdadeiramente as autoridades da Convergência e União, mandatários do grande capital adornados de nacionalismo, era o exemplo que Can Vies projectava para Barcelona e para o Mundo: a ideia de que sem a tutela da burguesia, os trabalhadores são capazes de fazer mais e melhor. No seio de uma cidade prostituída ao turismo e abandonada à especulação imobiliária, a população de Sants tinha construído uma galeria de arte, um ginásio popular, uma biblioteca operária, uma sala de concertos, um bar, uma escola…

De noite para noite, as manifestações alargam-se a mais cidades sob a divisa “Poder Popular” e Barcelona transforma-se num teatro de guerra. Sirenes ecoam noite e dia, acções de guerrilha dão lume ao balcões dos bancos, legiões de «moços de esquadra» ocupam as ruas e nas barricadas repete-se o grito antigo «Não Passarão».

A batalha de Can Vies não é só a luta por uma casa. É a legitimidade da Europa capitalista a rebentar pelas costuras: na Catalunha rebenta pelas cicatrizes da Guerra Civil e pelo independentismo, mas qualquer fagulha pode começar o incêndio que se avizinha. Noutros países europeus, a ruptura poderá assumir expressões mais ou menos violentas e mais ou menos organizadas, mas sempre inevitáveis. É o capitalismo que está a morrer. Celebremos, pois: «Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente.»

 


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