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090211_hezbollahRevista Fórum - [Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá] Se por um lado o Hezbollah (foto) conquistou na última semana de janeiro o poder de fato no Líbano dentro das regras democráticas, na Tunísia, Egito, Iêmen e Jordânia o povo nas ruas está derrubando, ou tentando derrubar, ditaduras de décadas aparentemente sem qualquer orientação de um grupo islâmico tradicional. Resta saber se os governos que falam tanto de paz e democracia aceitarão a eventual vitória desses novos atores.


O mundo está mudando nessa passagem de década de forma muito mais forte e rápida do que na virada do milênio. Afinal, apesar do ineditismo dos ataques terroristas de 11 de setembro nos EUA, a “reação” estadunidense foi simplesmente a velha e boa tática de criar e combater “inimigos” externos para resolver os problemas internos, com a consequência natural da crise econômica e perda de prestígio e legitimidade internacionais. Contudo, a chamada “guerra ao terror” acabou, talvez, apressando um processo histórico inexorável de deposição de armas de antigos e tradicionais grupos armados que agora pretendem lutar por seus objetivos no campo político, sem bombas, sequestros ou assassinatos. O caso mais recente é o do grupo separatista ETA, da região do País Basco, na Espanha, que decretou um cessar fogo definitivo em 10 de janeiro. Enquanto isso, se por um lado o Hezbollah conquistou na última semana de janeiro o poder de fato no Líbano dentro das regras democráticas, na Tunísia, Egito, Iêmen e Jordânia o povo nas ruas está derrubando, ou tentando por a baixo, ditaduras de décadas aparentemente sem qualquer orientação de um grupo islâmico tradicional. Resta saber se os governos que falam tanto de paz e democracia aceitarão a eventual vitória no jogo político das eleições desses novos atores que, muitas vezes, têm expressivo apoio popular.

Há casos recentíssimos de sucesso a se espelhar, como as democráticas eleições dos ex-guerrilheiros José Mujica no Uruguai e Dilma Rousseff no Brasil, aceitas sem problemas pelos mercados e poderes tradicionais nas Américas, mas enquadradas no capitalismo transnacional. Também há exemplos de fortes represálias como o sufocamento econômico e o ataque militar de Israel em Gaza após a votação do Hamas para administrar o território em janeiro de 2006 e depois novamente em 2008. Ou mesmo de traição, como as centenas de assassinatos de ex-membros das Farcs que aceitaram as “negociações de paz” conduzidas pelo então presidente colombiano Belisário Betancur, em maio de 1985, entrando para o partido União Patriótica. As mortes levaram os antigos guerrilheiros a retornarem à luta armada em 1989 e aprofundarem sua estratégia de financiamento por meio de sequestros e narcotráfico que segue até hoje. Algo parecido pode estar acontecendo agora na Espanha, onde o “socialista” José Luis Rodríguez Zapatero, afirmou no mesmo dia do anúncio de cessar fogo definitivo do ETA que “não haverá nenhum tipo de diálogo, a política antiterrorista será mantida, as detenções continuarão e seguiremos com a perseguição daqueles que não respeitam as leis”. De fato, apenas oito dias depois, 10 pessoas que teriam ligações com o grupo foram presas, incluindo Iker Moreno Ibáñez, filho de Txelui Moreno, porta-voz da Izquierda Abertzale e ex-dirigente do Batasuna, braço político do ETA considerado ilegal pela justiça espanhola em 2003.

No Líbano, a vitória política do grupo xiita Hezbollah indicando em 25 de janeiro o novo primeiro-ministro, o muçulmano sunita Najib Mikati, após a renúncia de seus dez ministros e mais um aliado cristão que levaram à queda do gabinete comandado por Saad al Hariri, só foi possível um ano e meio após as eleições em que os partidos coligados aos xiitas haviam conquistado 55% dos votos mas apenas 45% das cadeiras do parlamento. Isso acontece porque no sistema político libanês, definido em 1989 para dar fim a 15 anos guerra civil, o presidente deve necessariamente ser um cristão maronita, o primeiro-ministro um muçulmano sunita e o chefe do parlamento um muçulmano xiita, independente do número de votos de cada partido. Na mesma hora os Estados Unidos ameaçaram cortar a “ajuda financeira e militar” ao governo Libanês e Israel declarou ter agora “um regime iraniano na fronteira norte”. Estava armado o cenário para mais um guerra de Israel no sul do Líbano, como a de 2006, e para o estrangulamento econômico internacional como o liderado pelos EUA contra o Iraque nos dez anos que antecederam a invasão estadunidense de 2003. No entanto, israelenses e ocidentais não contavam com as consequências para a região e para o mundo da autoimolação, poucas semanas antes, do jovem tunisiano Mohamad Bouazizi, que levou a crescentes protestos populares até a queda do governo da Tunísia com exílio do presidente Zine el Abidine Ben Ali.

De qualquer forma, se FARCs, ETA, Hezbollah e Hamas ainda podem ser encaixados no amplo espectro de “grupos terroristas”, na denominação genérica atribuída aos inimigos pelos EUA no pós-11 de setembro, o que dizer do povo comum, do cidadão classe média empobrecido e do proletário que clamam em uníssono nas ruas do Cairo, de Túnis e de Amã apenas por um pouco democracia? Além disso, se o grupo insurgente colombiano e o separatista basco têm perdido quase todo o apoio popular e legitimidade que um dia possuíram após décadas de atentados terroristas e ações militares que não resultaram na mudança de poder, o mesmo não se pode afirmar de Hezbollah e Hamas. O primeiro mantém um ampla rede de proteção social no Líbano e, afinal de contas, venceu a guerra de 2006 e as eleições de 2009. Já o Hamas, segue com a áurea de última resistência contra a ocupação israelense e pode muito bem vencer as próximas eleições para a liderança da Autoridade Palestina, ainda mais depois do vazamento, no mesmo 25 de janeiro pelo jornal The Guardian e TV Al Jazeera, da documentação das “negociações de paz” entre o Fatah, que atualmente controla a AP, e Israel em que o grupo rival ao Hamas promete abrir mão de todos os direitos históricos dos palestinos, como o retorno dos 4 milhões de refugiados e o controle de Jerusalém Oriental, em troca de “ajuda financeira” do ocidente que é apropriada por seus membros ao invés de investida na melhoria da qualidade de vida do povo.

Diferente da Revolução Islâmica de 1979 no Irã, impulsionada também por motivos econômicos mas liderada por clérigos muçulmanos como o aiatolá Ruhollah Khomeini, um dos principais motores das revoltas atuais são as políticas neoliberais implantadas pelas ditaduras títeres dos EUA. Como lembra o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, em artigo para a Carta Maior, “um relatório do Banco Mundial, publicado em 2009, informava que os países árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem e já são os maiores importadores de cereais no mundo, dependendo de outras nações para a sua segurança alimentar. A elevação dos preços nos mercados mundiais, desde 2008, já causou ondas de protestos em dezenas de países e milhões de desempregados e pobres nos países árabes, como foram os casos da Argélia, em 1988, e da Jordânia em 1989”. O rei Abdullah II da Jordânia, aliás, foi obrigado no dia 1º de fevereiro a dissolver seu gabinete e nomear Marouf Al Bakhit como novo primeiro-ministro na esperança de se manter no poder. O jovem tunisiano que pôs fogo no próprio corpo tomou essa atitude desesperada depois de ter confiscadas por policiais as frutas que vendia “ilegalmente” nas ruas de Túnis. No Egito, dois terços da população tem menos de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados e 40% dos 80 milhões de habitantes vivem com menos de 2 dólares por dia.

Apesar de todos esses países terem maioria muçulmana, nada é mais diferente do que a classe grande média letrada mas empobrecida do Egito em relação à sociedade ainda dividida em clãs do Iêmen. Não é a toa que os jovens egípcios têm se articulado principalmente por meio de ferramentas tecnológicas como o Twitter e o Facebook, com grande visibilidade internacional, enquanto as ações e imagens das revoltas iemenitas e até tunisianas e jordanianas são raras mesmo nas grandes agências internacionais. Até o fechamento desse artigo, o ditador do Egito, Hosni Mubarak, o rei da Jordânia e o presidente do Iêmen por 32 anos, Ali Abddullah Saleh, ainda se agarravam ao poder. Mas com a recusa do exército egípcio em atirar contra os manifestantes sob os olhares de todo o mundo, já não há esperanças para Mubarak. Contudo, como as revoltas são realmente populares e as oposições políticas foram sistematicamente desarticuladas ou mesmo aniquiladas pelos autocratas, ninguém se arrisca a afirmar com certeza quais forças tomarão o poder em caso de vitória das revoluções. Podem ser governos religiosos nos moldes do iraniano ou seculares que começam com o apoio do povo e descambam para ditaduras ferozes, como ocorre comumente na África. Também há a possibilidade de criação de novas democracias mais participativas, já que as populações têm demonstrado nas ruas sua capacidade de articulação orgânica sem a necessidade de líderes fortes. E talvez seja isso o que os “democratas” judaico-cristãos ocidentais mais temam.

Publicado em Ideias em Revista, do Sisejufe/RJ.


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