Reforço esse aspecto porque, me parece, trata-se de um discurso muito semelhante ao que se via e ouvia na época da ditadura brasileira: era uma "guerra", o "terrorista" morria em conflito com as "forças da ordem", por coincidência sempre com vários e precisos tiros na cabeça, no peito... Enquanto isso, o assassino estatal saía ileso, sem um arranhão ou ferimento sequer. Vivíamos os tempos do "enfrentamento total com os subversivos, fortemente armados, muito bem treinados, perigosos", mas o "tiro preciso e fatal" era "competência" de um lado só – o da repressão. Apenas para retomar o foco e citar a "batalha" mais recente no Oriente Médio – em oito dias, foram registradas (oficialmente, reconhecidas até mesmo por Israel) 153 mortes, 148 palestinos e 5 israelenses. É uma guerra? Para pensar.
É importante também contextualizar e relembrar a origem do conflito palestino-israelense – a Partilha da Palestina, definida em 1947 pela ONU e que determina a existência de dois Estados livres, independentes e soberanos, jamais foi respeitada por Israel, que desde então age apenas e tão somente, e sistematicamente, institucionalmente, para eliminar os palestinos (ver mapas acima). Será que a gente consegue de fato avaliar o que é viver num território ocupado, submetido a condições animalescas de vida? Fome, miséria, falta de água e de medicamentos, barracas de lona e toda sorte de privações impostas pelo bloqueio israelense?
O nazismo alemão e o apartheid sul-africano, no século XX, foram duas das experiências mais terríveis da História da humanidade, quando flertamos muito de perto com a bestialidade e a barbárie. Pois o Estado de Israel, com apoio de boa parte da população do país (há admiráveis fraturas e resistências, mas a sustentação é também inegável), consegue reunir num só elemento os dois projetos citados. Trata-se de um Estado militarista, expansionista, autoritário, nacionalista (no pior sentido da palavra), que persegue e extermina sistematicamente o povo palestino, segregado e condenado a viver em guetos. E a dita comunidade internacional, Estados Unidos à frente, é conivente com o nazi-apartheid israelense.
Quando há um Estado terrorista e opressor em ação (e a política da direita nacionalista no poder em Israel é de nazi-apartheid), a resistência (inclusive armada) é consequência não só natural, mas desejável, uma forma de ação e luta política considerada inclusive pela carta de fundação da ONU. Foi assim que muitos judeus, dignamente e legitimamente, resistiram ao Holocausto nazista. Sim, há grupos extremistas que atuam nessas franjas e brechas (o Hamas é um deles), e as mortes de israelenses obviamente devem ser lamentadas e recusadas também. Sim, há grupos (minoritários) em Israel que não apoiam o genocídio, que reconhecem os direitos dos palestinos e são favoráveis a um acordo (verdadeiro) de paz. Também penso e defendo que os dois povos devem poder construir suas nações, em amplo sentido – e a estratégia razoável para alcançar esse cenário é a negociação política. Mas, novamente, é preciso considerar o pecado original. E a atuação unilateral e beligerante, sempre, de um Estado.
Trago para cá as reflexões do linguista estadunidense Noam Chomsky: "Israel usa sofisticados jatos e navios de guerra para bombardear densamente campos de refugiados, escolas lotadas, blocos de apartamentos, mesquitas e favelas, atacando uma população que não tem força aérea, não tem Marinha, não tem armas pesadas, nem unidades de artilharia, nem armamento mecanizado, nem comando de controle e sequer um Exército... E ainda chamam isso de guerra. Isso não é guerra, é um genocídio".