Muro de Berlim. Foto: Noir/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0)
Queda do Muro de Berlim. Quem ganhou e quem perdeu?
A propaganda imperialista escalou. Era a suposta “vitória definitiva do capitalismo sobre o comunismo”, um novo período onde seria a vez da “democracia”. A campanha alcançou níveis histéricos a partir 1991.
Boa parte da esquerda mundial entrou em colapso. Muitos militantes entraram em depressão.
Leia também: Alemanha: o coração do capitalismo europeu (Parte I)
Mas qual era o verdadeiro significado da suposta vitória da “democracia”? E quais foram os fatores materiais que levaram à queda do Muro de Berlim e do bloco soviético?
A suposta “vitória definitiva da democracia” não era mais que a propaganda demagógica sobre a democracia imperialista, que não passa de uma caricatura do que foi a democracia burguesa no século XIX, na época do capitalismo liberal em ascensão. Conforme foi revelado pelo ex-agente da CIA Bradley Manning e pelo ex-agente da CIA e da NSA (Agência Nacional de Segurança), Edward Snowden, vivemos sobre uma brutal ditadura, muito pior que na época da Inquisição Espanhola, disfarçada com altas doses de demagogia. O imperialismo, principalmente o imperialismo norte-americano, atua como uma espécie de polícia mundial.
A crise do bloco soviético foi parte da crise do capitalismo
Em primeiro lugar, o colapso do bloco soviético não se tratou de nenhuma “vitória do capitalismo sobre o comunismo”, mas do colapso de um dos elos mais fracos do sistema capitalista mundial. Todos os países do bloco soviético, principalmente na Europa do Leste, se encontravam hiper endividados com os bancos ocidentais.
Na Europa Oriental, com a exceção da antiga Iugoslávia e a Albânia, nunca existiu nada nem sequer parecido com o que houve nos início da União Soviética. Somente nesses dois países aconteceram revoluções populares. Todos os demais países foram libertados pelo Exército Vermelho. Aqui um primeiro ponto que tem fundamento teórico. Uma revolução social não é possível de ser imposta pela força.
A economia de todos esses países ficou arrasada após a Segunda Guerra Mundial e o esforço de reconstrução foi gigantesco, muito além das possibilidades da região e da própria União Soviética. Além disso, a burocracia soviética, que tinha se consolidado no poder no final da década de 1920, nunca conseguiu superar o atraso. Muitos setores da economia, principalmente o setor do consumo, nunca saíram do chão. As condições de trabalho nas empresas sempre foram precárias na maioria dos setores. A inflação foi um problema grave após a Segunda Guerra Mundial. Esses fatores estiveram na base material do descontentamento e de todas as revoltas que aconteceram no bloco soviético, da mesma maneira que têm estado na base de todas as revoltas operárias no mundo todo.
As economias da Europa Oriental, com a exceção da Albânia, contraíram gigantescas dívidas no início da década de 1970, nas mesmas condições que o fizeram todos os demais países atrasados. Mas a Albânia, apesar dos avanços sociais conseguidos, era um país ultra atrasado e isolado em apenas 28 mil quilômetros quadrados.
O “excesso de liquidez”, que seguiu ao colapso de Breton Woods em 1971 (conversibilidade do dólar em ouro), levou à escalada da “impressão” de dinheiro podre para sustentar a máquina de guerra norte-americana, convalidada pela derrota na Guerra no Vietnã. Os bancos imperialistas passaram a emprestar dinheiro “à vontade” a taxas de juros móveis para os governos dos países atrasados. Essa foi a base do colapso econômico de todos esses países na década de 1980: da hiperinflação no Brasil, dos “resgates” (de “amigo da onça”) do FMI (Fundo Monetário Internacional), da crise do México, da Turquia, da Rússia, dos Tigres Asiáticos, dos Dragões Asiáticos, da Argentina, do “efeito tequila”, do “efeito Orloff” e de todos os efeitos e contágios que se seguiram.
Os países do bloco soviético da Europa Oriental e a Iugoslávia foram atingidos pelos mesmíssimos efeitos do parasitismo financeiro capitalista mundial. Eles tinham usado os empréstimos para cobrir os déficits orçamentários, manter o abastecimento e os programas sociais, e, no geral, manter a estabilidade política. Mas o sistema econômico era muito precário e ineficiente. A coletivização da agricultura nunca saiu do chão na maioria desses países. A economia leve nunca conseguiu ser colocada em pé. A pressão militar e econômica do imperialismo consumia grande parte dos recursos. Os esforços de reconstrução da destruição da Segunda Guerra potencializavam a crise.
A implosão do bloco soviético não representou a derrota do socialismo, inclusive porque o socialismo nunca existiu nesses países. O que realmente aconteceu foi a implosão da parte mais fraca do sistema mundial integrado, que obviamente era dominado pelo capitalismo.
O socialismo não implica somente na derrota da burguesia num determinado país. Mas implica na eliminação do capitalismo, da lei do valor. Isso nunca foi conseguido em nenhum país, nem na própria União Soviética. Para isso acontecer, a derrota do capitalismo deve acontecer no coração, em países como a França, a Alemanha, os Estados Unidos, o Japão, a Inglaterra. A vitória do socialismo não tem condições de acontecer no Piauí ou na Paraíba. Isso é materialmente impossível, mesmo se todos os capitalistas desses dois estados (atrasados) brasileiros fossem expropriados.
A importância histórica dos estados operários em Cuba, no Vietnã, na China ou na Rússia reside em que aumentaram a pressão, de maneira enorme, sobre as potências centrais. Mas nenhum desses países conseguiu superar as potências capitalistas. No auge da União Soviética, a produtividade per capita dos operários soviéticos não ultrapassava 30% da produtividade dos operários norte-americanos.
O atraso gera inevitavelmente burocracia. A base material da origem da burocratização reside na disputa pelos recursos, quando são escassos. Esse é o “segredo” dos acontecimentos e “fracassos” das experiências dos estados operários. Todos eles foram ultra atrasados e colapsaram justamente porque o sistema capitalista mundial, altamente integrado, a partir do século passado, se quebrou nos elos mais fracos.
Para o próximo período, está colocada a revolução não mais no Laos ou em Cuba, mas na França, na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos e no Japão. E, partir deles, em escala mundial
Quem ganhou e quem perdeu?
A burocracia soviética viu o aprofundamento da crise econômica avançar, de maneira incontível, na década de 1970, e as enormes greves operárias que colocaram abaixo o governo polonês no início da década de 1980. A conclusão foi que era impossível continuar sustentando o regime, principalmente os programas sociais. Da noite para o dia, a burocracia começou a bater no peito, a propagandear que não era possível manter o sistema soviético. O grosso dela se tornou abertamente restauracionista.
A Alemanha Oriental foi entregue de bandeja à República Federal Alemã pelo grupo ligado a Mikhail Gorbatchev. A manobra foi encabeçada pelo então chanceler alemão, o socialdemocrata Willy Brant.
As empresas alemãs, da Alemanha Oriental, foram liquidadas e os monopólios tomaram conta de toda a economia do país. A entrada no mercado de dezenas de milhões de novos trabalhadores, com salários muito mais baixos, esteve na base da desmontagem de boa parte do “estado de bem-estar social” já no início da década passada.
A burocracia da antiga Alemanha Oriental foi incorporada como sócio menor. Vários ex-burocratas se tornaram empresários e diretores dos monopólios. A própria Angela Merkel fazia parte do antigo PSUA (Partido Socialista Unificado da Alemanha Oriental), que acabou formando o núcleo central da Die Linke (A Esquerda), o partido que hoje conta com 64 deputados federais, na Alemanha reunificada.
O “socialismo” que nunca existiu
A ideia original da burocracia soviética sobre a Europa Oriental, após 1945, não era implantar nem sequer o modelo soviético. Conforme tinha ficado claro a partir do ultra oportunista VII Congresso da Internacional Comunista, de 1935, liderado por George Dimitrov e pelo próprio Stalin, “era a vez da democracia”, da frente única contra o fascismo. Uma mudança radical, de 180 graus, da política do “social fascismo” que tinha levado a derrotas importantes em vários países.
Em todos os países do bloco soviético, entre 1945 e 1948, os partidos políticos burgueses eram tolerados e legalizados. Era a vez da “democracia” que, supostamente, teria chegado para ficar.
Em 1945, o ultra oportunista Palmiro Togliatti foi enviado por Moscou, diretamente à Itália, para desarmar os operários que tinham tomado as principais fábricas do norte do país. Togliatti ingressou, como ministro do general fascista Bodoglio. Na França, a Resistência Francesa foi desarmada e o Partido Comunista, que venceu as primeiras eleições, se integrou rapidamente ao regime. Essas eleições foram canceladas e passou a ser adotado o regime distrital onde o poder econômico se impôs e os comunistas ficaram na oposição. Situações parecidas aconteceram em vários outros países, como a Grécia e o Irã, por exemplo.
Em 1948, os Estados Unidos lançaram o Plano Marshall e tentaram incluir a União Soviética. Quando a burocracia soviética viu os objetivos do plano, colocado em pé pela superpotência que tinha emergido da guerra, percebeu que a própria existência estava comprometida. No mesmo ano, nos países do bloco, na Europa Oriental, os partidos da oposição, principalmente os partidos social-democratas, foram incorporados em partidos unificados, ligados à União Soviética.
As dificuldades econômicas e a ineficiência da economia soviética geraram enormes crises.
Em 1953, o agravamento das condições econômicas levou a grandes greves operárias em Berlim, enquanto a República Federal Alemã se valia dos recursos do Plano Marshall para a reconstrução e partia para duas décadas de crescimento econômico. A direita, obviamente, tentou infiltrar o movimento grevista que acabou sendo reprimido pelos tanques soviéticos a sangue e fogo. No mesmo ano, morreu Stalin, em condições ainda pouco claras.
Pelos mesmos motivos, estouraram revoltas na Hungria, em 1956, que foram reprimidas, com muito custo e sangue, pelo exército soviético. No mesmo ano, aconteceu o XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), onde o novo secretário-geral, o ucraniano Nikita Khurschev, tentou jogar toda a responsabilidade da crise econômica sobre Stalin.
Em 1956, estouram greves operárias em Poznan, na Polônia, que se tornaram recorrentes na década seguinte, apesar de terem sido localizadas. Em 1968, foi a chamada “Primavera de Praga”. Houve infiltração do imperialismo sem dúvida, mas a base era a crise econômica, a mesma que tinha impulsionado os movimentos estudantis no mundo. Em 1971, na Polônia, novas greves operárias gigantescas, contra o aumento dos preços e as péssimas condições de trabalho, foram reprimidas com muita violência.
As greves operárias se tornaram fenômenos recorrentes no bloco soviético, assim como em escala mundial, a partir da forte piora das condições de vida, a partir da crise mundial (a chamada crise mundial do petróleo) de 1974.
Na Polônia, depois de 1971 houve uma forte abertura para o imperialismo. Empréstimos, empresas que começaram a atuar no país.
Na Hungria, já no início da década de 1960, as fronteiras com a Áustria foram abertas e o turismo foi colocado na base da economia. Seria este um “socialismo” construído por turistas ou pelo FMI? Ou a Áustria estaria na base do “internacionalismo proletário”?
E assim sucessivamente. Na Romênia, por exemplo, a crise se tornou tão explosiva que Ceaucescu, o líder local, tentou reduzir a dívida externa e colocou a economia a serviço das exportações, o que gerou uma crise generalizada, e acabou sendo enforcado por uma revolta popular.
Alejandro Acosta está atualmente na Alemanha.