Nos últimos cinco anos, os painéis “Guerra e Paz”, do pintor brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), passaram por um processo de renovação e por um tour inédito pelo Brasil e pela França. A poucas semanas do aniversário de 70 anos da ONU (Organização das Nações Unidas), os murais foram reinaugurados na sede da entidade na noite de terça-feira (08/09) em Nova York, em evento com a presença do secretário-geral, Ban Ki-moon.
“Eu sou profundamente grato a Portinari”, declarou Ban na cerimônia, que ocorreu no salão nobre da sede, local que recepciona anualmente a Assembleia Geral da ONU.
Em discurso, o secretário-geral recordou que os imponentes murais de 14 metros de altura e 10 de largura foram os dois últimos trabalhos do artista antes de morrer. “Ele literalmente deu sua vida por essa obra de arte”, afirmou. “Portinari e seu legado viverão para sempre nas Nações Unidas”, acrescentou, pedindo, em seguida, um minuto de silêncio ao pintor.
Elaborados entre 1952 e 1956, os dois murais de “Guerra e Paz” foram um presente do governo brasileiro à sede da ONU em Nova York. Entretanto, como lembrou na cerimônia o filho de Portinari, João Cândido, o pintor não conseguiu visitar os EUA à época da inauguração por “motivos políticos”.
A Opera Mundi, o embaixador Antonio Patriota, representante permanente do Brasil na ONU e ex-ministro das Relações Exteriores (2011-2013), declarou que a reinauguração da obra, no contexto das vésperas do aniversário de 70 anos da entidade, é vista como uma “alegria para os diplomatas brasileiros”.
“É uma obra que simboliza a missão central das Nações Unidas, que é a promoção da paz, ou em outro ângulo, o combate à violência para evitar a guerra”, afirmou. “O Brasil, como membro fundador das Nações Unidas e como país que se identifica com essa visão de paz e com o compromisso contra a violência, o militarismo e o uso da forca nas relações internacionais, se sente muito bem representado por essa obra”, completou.
Durante mais de meio século, os dois murais que compõem “Guerra e Paz” nunca haviam deixado a sede nova-iorquina. Apenas em 2010, quando o edifício entrou em reforma, as duas obras retornaram ao Brasil, onde passou por um processo de restauração. Entre 2011 e 2014, foram exibidas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e em Paris, retornando ao prédio da ONU em dezembro passado, mas os painéis permaneceram cobertos desde então.
Espetáculo
Com pouco mais de uma hora de duração, o evento contou com um espetáculo dirigido pela cineasta brasileira Bia Lessa, chamado de “A Segunda Revelação” (“The Second Unveiling”). A apresentação multimídia foi dividida em 12 capítulos que exploravam a necessidade de paz, uma das principais mensagens da obra de Portinari.
Durante a cerimônia, Lessa leu um comunicado enviado pelo papa Francisco para a ocasião, em que o pontífice argentino ressalta o valor da solidariedade face ao individualismo generalizado, bem como a importância da fidelidade do edifício das Nações Unidas em Nova York ao propósito da entidade.
Durante o espetáculo, o salão virou palco de projeções, com citações de poemas e de frases de diversos autores, brasileiros e estrangeiros, desde Vinícius de Moraes e Haroldo de Campos até Walt Whitman, Gertrude Stein e Eduardo Galeano.
Em um dos momentos da apresentação, dedicado à crítica ao consumismo como um novo conceito de guerra, por exemplo, notas falsas de dólares, euros e reais caíram do teto e surpreenderam a plateia. Segundo funcionários da ONU que participaram do evento, a cerimônia chamou atenção por não ser recorrente no local.
A lista de confirmados para o evento chegou a 1.200 pessoas. Era esperado que a maioria dos participantes fosse brasileira, mas a lista constava com cerca de 700 estrangeiros – uma surpresa, segundo a organização.
De acordo com Rafael Beleboni, da Missão do Brasil na ONU, a produção do espetáculo durou ao menos um ano e meio e fez parte de um esforço para que houvesse a possibilidade de que mais pessoas conhecessem as obras de Portinari na sede nova-iorquina.
Embora o acesso aos dois murais seja restrito a delegados e funcionários das Nações Unidas por questões de segurança, a Missão tenta medidas para que os murais de “Guerra e Paz” sejam abertos à visitação do público.