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Internet em estado de sítio: análise da ofensiva dos EUA contra a liberdade na net

090212_censuraRebelión - [Mariano Blejman, tradução do Diário Liberdade] Os efeitos "colaterais" do fechamento do Megaupload um dia após o protesto contra a lei SOPA, antecipam até onde pretende chegar o governo norte-americano na defesa da propriedade intelectual.


A pedrada que o FBI acertou no sítio web criado pelo exuberante alemão Kim Dotcom Schmitz, que possuía 4% do tráfego da internet, já teve a primeira bandeira branca em sinal de retirada: ontem o site inglês Btjunkie, um buscador de arquivos em compartilhamento, anunciou que se desligavam “voluntariamente” da rede devido às pressões, após ver como foram presos os criadores de Megaupload e a sentença judicial contra os três fundadores do The Pirate Bay, o sítio web de Torrent mais utilizado no mundo, situado na Suécia. “Este é o fim da linha, meus amigos”, escreveram em sua página de maneira lapidar os criadores desse site que permitia buscar filmes, músicas e programas, através do protocolo peer to peer, criado por Bram Cohen há uma década.

Em termos de política internacional, poder-se-ia dizer que a derrubada do Btjunkie é algo como o triunfo “diplomático” das armas digitais norte-americanas. Ou seja, a capacidade de resistência dos sites de compartilhamento de arquivos ficou truncada diante dos últimos acontecimentos.

Também decidiram suspender serviços de compartilhamento, sites como o FileSonic ou Upladed.to (que fechou nos Estados Unidos), e uns quantos mais cairão por força dos acontecimentos. Megaupload possuía 50 milhões de usuários diários ativos e 150 milhões registrados, 4% do tráfego mundial da internet, e estava tentando reestruturar a sua imagem com uma campanha cativante, cujos vídeos estão no Youtube. Entre outras coisas, nomearam como CEO Swizz Beats, o marido da cantora e compositora de rock & blues Alicia Keys. Mas não foi suficiente. Como se sabe, o Megaupload foi bloqueado em 19 de janeiro de 2012, acusado de fazer parte de uma “mega conspiração” que teriam feito as empresas defensoras da propriedade intelectual – basicamente a indústria de Hollywood e a da música, que perderam 500 milhões de dólares. Foram acusados ainda de ganhar 150 milhões de dólares por subscrições e 25 milhões em publicidade em um período de cinco anos.

A propriedade ou a propriedade intelectual?

Mas que ironia: em nome da defesa da “propriedade intelectual”, o fechamento de Megaupload pode ser considerado o ataque mais flagrante à propriedade privada na história da internet. Para citar um dos 150 milhões de casos: Verónica Malamfant é uma das criadoras de As Pornográficas, um site de “jornalistas algo eróticas” que se juntam para escrever sobre sexo uma vez por semana e realizam programas há dois anos. Neste tempo, passaram de 200 descargas no primeiro programa a seis mil, no último anterior ao fechamento do Megaupload, lugar onde tinham uma conta premium. “Nunca violamos nenhuma propriedade intelectual. Postamos nossos próprios conteúdos e, apesar de termos um backup em nossas máquinas, matou-nos o fato de perder os registros das visualizações, a informação contextual que fomos adicionando”, além de um trabalho de postagem de dois anos.

Músicos, artistas, designers, jornalistas, documentaristas, cineastas, enfim, milhões de pessoas de todo o mundo se viram afetadas pela decisão do FBI de fechar o Megaupload. O site do fastuoso Dotcom, estava situado legalmente na Nova Zelândia e em Hong Kong, mas os servidores estavam nos Estados Unidos. Logo, a repercussão é planetária. E o FBI é uma força sem fronteiras. Que novidade. Na semana passada, o FBI anunciou que já haviam recolhido a informação necessária dos servidores do Megaupload para construir seu caso por cibercrime.

Como as contas da empresa haviam sido congeladas, ninguém tinha podido pagar a fatura em nome de Carpathia y Cogent, duas das empresas que davam os servidores ao Megaupload dentro dos Estados Unidos, estes podiam ser apagados. A informação foi dada por Ira Rothken, a advogada do site que oferecia a possibilidade de compartilhar arquivos de grande tamanho, sobretudo quando os usuários compravam contas premium e se anunciou que os dados de milhões de usuários em todo o mundo estavam a ponto de desaparecer. O assunto é que nos termos e condições de uso do Megaupload _ aquilo que se assina quando aceita ingressar a um serviço, sem dar importância – diz que “Megaupload pode terminar suas operações sem aviso prévio”. Ou seja.

Internet com fronteiras

E então, chegou a Electronic Frontier Foundation, fundada por John Perry Barlowe (certa vez, letrista dos Grateful Dead), organização não governamental que defende os direitos digitais dos cidadãos, a realizar um acordo com Carpathi – um dos servidores do Megaupload – para tentar recuperar os arquivos de 150 milhões de usuários espalhados pelo mundo... Bem, por agora só defenderão aqueles situados dentro do território norte-americano. Não se pode ter tudo. O acordo da EFF com Carpathia inclui a criação de um sítio web chamado Megaretrieval.com para promover a recuperação da informação “retida” na nuvem do Megaupload, depois da decisão do FBI. Ainda que não se saiba muito bem como se realizará a recuperação. Por enquanto, a possibilidade de que esses dados se percam para sempre – o que seria a maior perda de memória da história da internet, uma espécie de nova queima da biblioteca de Alexandria – diminuiu sensivelmente.

Ou seja, a decisão de um governo afetou unilateralmente a 150 milhões de usuários (que ainda não são o mesmo que pessoas, mas é questão de esperar), e uma organização não governamental teve que pedir a uma empresa privada que resguarde a informação dos usuários. Além disso, uma dezena de executivos que não eram norte-americanos, foram detidos pelo FBI fora dos Estados Unidos. A EFF estaria pensando em organizar uma demanda coletiva contra o governo dos Estados Unidos por uma longa série de violações aos direitos dos cidadãos... dos Estados Unidos. Começaram por pedir à justiça norte-americana através de um procedimento formal, a salvaguarda dos dados dos “usuários inocentes”, que provavelmente sejam maioria. A carta foi assinada por Cindy Cohn, diretora legal da fundação.

O problema é que, fora dos Estados Unidos a sensação é de desamparo. Quem está na dianteira em iniciar ações coletivas contra o governo dos Estados Unidos são os fundadores do Partido Pirata Catalão. “Os danos pelo fechamento do Megaupload estão totalmente injustificados e são inadmissíveis”, escreveram. Em seguida, se somaram os partidos piratas do resto da Europa.

Juntam-se lentamente à demanda coletiva os partidos piratas da Galiza, Alemanha, Inglaterra, República Tcheca, França, Canadá e obviamente o da Suécia, que tem representação parlamentar. O site catalão anunciou haver recebido pelo menos 1500 demandas nas primeiras horas de convocatória. Na Argentina, o Partido Pirata local, tentava encontrar um advogado para aderir à causa. “Os custos de pagar um advogado nos Estados Unidos e brigar com o FBI seria uma causa que eu amaria, me sentiria o Che Guevara por uns microssegundos, mas está acima do nosso orçamento”, conta a jornalista Malamfant, do As Pornográficas.

O agrupamento de hacker ativistas Anonymous não se conformou em derrubar provisoriamente uma série de páginas desde o FBI até a indústria de Hollywood ou os selos discográficos, mas também revelaram uma conversa que poderia ter ocorrido em 17 de janeiro (antes do fechamento do Megaupload) entre o FBI e a Scotland Yard, onde os serviços de inteligência se referiam ao apoio de alguns hackers para realizar suas ações.

Tráfego legal, tráfego ilegal

O impacto do fechamento do Megaupload no tráfego mundial foi espetacular. Não só nesses 4% da internet (uma incrível concentração de tráfego, sem dúvida) que tinha o site da Dotcom como origem, mas dezenas de sites que o usavam como fonte de streaming, distribuiu-se rapidamente entre os serviços de download e a televisão tradicional.

Segundo Nicolás de Tavernost, do grupo francês M6, que oferece um serviço legal de transmissão ao vivo, na última semana receberam um “aumento considerável de tráfego” e o vinculou diretamente ao fechamento do site, para o prazer de Marcelo Birmajer, que domingo saiu apoiando a lei SOPA no jornal conservador argentino Clarín. Mas com ou sem SOPA ou PIPA (as leis insígnias da propriedade intelectual que parecem ter ficado em stand by depois do “apagão” da Wikipedia e outras centenas de sítios web no dia 18 de janeiro passado), a internet debate não só sobre a propriedade intelectual, mas o atropelamento dos direitos individuais, a liberdade de expressão, a neutralidade da internet e o livre fluxo de informação.

Desde o auge e queda da Napster, a indústria tem buscado métodos para recuperar a escassez de acesso aos bens culturais existentes. As condições tecnológicas e culturais do protocolo de Internet (ai Vint Cerf!) geraram novas leis de mercado e de tráfego cultural. Para dar um exemplo, vale recorrer aos livros Long Tail e Free, de Chris Anderson e uma grande rede de produção dedicada à cultura livre. O problema para o FBI é que ainda existe internet e, a esta altura, é insubstituível na vida cotidiana de dois bilhões de pessoas.

Nos últimos três ou quatro anos, as corporações de infraestrutura, dedicadas a fibras e cabos, oferecem serviços denominados “na nuvem”. Ou seja, a oportunidade de empresas, governos e usuários de postar dados na internet, de ter a oportunidade do deslocamento permanente, a inexistência do serviço técnico e um longo etc. Porém, existem sites como o RapidShare, SoundCloud, DropBox, GrooveShark, Google (que já tem computador para a nuvem ChromeBook), iCloud da Apple, Amazon ou os serviços da Global Crossing, para nomear apenas alguns. São espaços onde os usuários postam seus dados amparados pela fascinação do fim do formato físico.

Assim, o Departamento de Estado caminha em duas frentes: trata de endurecer as leis de propriedade intelectual dentro dos Estados Unidos e de apoiar leis para cortar o acesso a sites que possam violá-las fora. Logo, tenta acomodar as leis de outros países às suas próprias leis de propriedade intelectual e castiga com o FBI para gerar o efeito terror. Um efeito indesejado pelo governo norte-americano é que uma cópia exata do Megaupload poderia se instalar fora desse país e a justiça norte-americana não poderia interceder: disse a própria Justiça esta semana. Mas o que aconteceria se os usuários começassem a postar índices de filmes para baixar pelo BitTorrent em arquivos compartilhados do Google Docs, o FBI estaria disposto a fechar o Google? Em que país está o Google? Ou, como bem escreveu o empreendedor argentino Santiago Bilinkis em seu blog:

“A luta para evitar o atropelamento das liberdades será difícil e desigual. Mas há uma boa notícia: não há lei que possa, de maneira efetiva e sustentada, deter o avanço da tecnologia. E será nosso engenho, aproveitando as possibilidades que a própria internet oferece, o que nos dará as ferramentas ideais para resistir”.

Tradução de Cássia Valéria para o Diário Liberdade


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