A ilegalidade do aborto faz vítimas mortais todos os dias no Brasil. O caso que ganhou as manchetes dos jornais nos últimos dias foi o de uma jovem do Mato Grosso do Sul.
O caso foi iniciado com o desaparecimento registrado pela família da jovem de 19 anos, no dia 21 de maio. No dia 11 de junho o corpo dela foi encontrado abandonado no município de Sidrolândia, distante 70 quilômetros de Campo Grande, cidade onde morava.
As causas e circunstancias da morte de Marielly Barbosa Rodrigues ainda não estão claras. Sabe-se que foi resultado de uma forte hemorragia, cuja causa mais provável é um aborto realizado de maneira insalubre.
Diante do estado de decomposição do corpo da jovem, localizado quase um mês após o seu desaparecimento, não foi possível identificar como teria sido feito o aborto.
O problema não é a repressão, mas a legalização
Se fosse no Rio de Janeiro, os jornais dividiria as páginas policiais com uma notícia que vem se tornando comum na cidade: o fechamento clínicas de aborto clandestino.
A Polícia Militar da capital carioca fechou na terça-feira, dia 28, uma clínica acusada de realizar abortos clandestinos, na Zona Sul da cidade.
Uma policial se passou por cliente e teria pagado R$ 900,00 pelo aborto. Quando o médico iria iniciar o procedimento foi preso pela policial, segundo versão divulgada pela PM.
"Duas mulheres que haviam acabado de passar pelo procedimento ilegal foram presas e levadas para a delegacia. Elas pagaram fiança e vão responder em liberdade, informou a polícia" (G1, 28/6/2011).
Apenas este ano foram fechadas mais de cinco clínicas clandestinas de aborto no Rio de Janeiro.
No Mato Grosso do Sul, onde uma clínica foi fechada em 2007 e como resultado dessa batida policial foram apreendidas ilegalmente quase 10.000 fichas médicas de mulheres atendidas no decorrer de 20 anos de funcionamento da Clínica, o resultado foi um amplo processo de perseguição contra essas mulheres, com seus nomes sendo divulgados pela imprensa e processos aos milhares na Justiça de Campo Grande por crime de aborto.
Tudo isso apesar de não haver provas concretas contra elas e a utilização dos prontuários médicos ser um procedimento totalmente arbitrário.
No caso da jovem Marielly, uma das hipóteses levantadas é que o aborto tenha sido feito em uma clínica clandestina e que diante da forte hemorragia e demais complicações ela teria sido levada para o local onde seu corpo foi encontrado. Como aborto é crime e o atendimento a mulheres em situação de abortamento é tão dramático na rede pública, não teria sido cogitado levá-la a um hospital.
Apesar dessa hipótese não estar confirmada, é importante ter claro que o problema do aborto não será resolvido com a investida da polícia contra as clínicas clandestinas. Inclusive porque as mulheres são as vítimas dessas ações e acabam presas e processadas. Aborto é um problema de saúde pública, não é um problema que se resolve com a polícia, com repressão, mas com a legalização da prática.
As conseqüências e os riscos são sempre da mulher
Segundo divulgou o jornal Campo Grande News, "também é investigada a possibilidade de homicídio com a intenção de esconder a gravidez ou outros motivos passionais."
Isso porque está sendo levantada a hipótese de que "a garota tinha envolvimento mantido em completo sigilo com homem que a teria engravidado. O segredo aumenta a suspeita de que o relacionamento tinha algo de 'proibido' e que tudo era feito para não deixar rastros ou ser exposto aos familiares e amigos" (Jornal Pérola News, 28/6/2011).
O caso dessa jovem no Mato Grosso do Sul é exemplar para mostrar o verdadeiro drama e a que tipo de riscos está submetida uma mulher, principalmente por causa da ilegalidade do aborto e a constante campanha moral contra esse direito.
A história de Marielly reflete a realidade de milhares de brasileiras, pois pode envolver violência e finalmente as dificuldades para fazer valer sua decisão, caso decidisse por um aborto.
A única maneira de acabar com o negócio clandestino e lucrativo que é o aborto, e de fato proteger as mulheres é respeitar seu direito de decidir. É garantir a autonomia e o direito de viver livremente sua sexualidade. É dar a dignidade de um atendimento médico de qualidade, sem julgamentos morais. O que só será possível através da legalização do aborto, com atendimento realizado pela rede pública de saúde.