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Leonardo Boff: ‘Não há outra alternativa que o socialismo’

Leonardo-Boff-600x450Brasil - CRA - [Tradução do Diário Liberdade] O teólogo ecologista brasileiro Leonardo Boff fala nesta entrevista das contradições dos governos progressistas na América Latina, e assinala que “é importante que os movimentos sociais populares, que têm uma alternativa, uma visão humanista, espiritual, de respeito pelas pessoas, se transformem em um grito de protesto, uma resistência e que não aceitem as soluções que lhes dêem”.


PROJETO CHAKANA

O Eco Teología da Libertação

Enquanto existam pobres, segue vigente a Teologia da Libertação. Mas acrescentamos algo mais, porque a Teologia da Libertação nasceu escutando o grito do oprimido, mas não só os pobres, as mulheres, os indígenas, os afro latino-americanos gritam, senão também grita a Terra, gritam os animais, gritam os bosques. Então, dentro da opção pelos pobres, tem-se que inserir ao grande pobre, que é a Terra. Daí nasceu e segue uma vigorosa Eco Teologia da Libertação, muito largamente difundida como uma das respostas à crise atual, que está por todas as partes do mundo.

O papel do conhecimento indígena

Tenho a idéia, a convicção, de que os povos originários são portadores de uma sabedoria ancestral, de uma maneira de relacionar com a Terra, mas não como um cofre de recursos, nem como algo morrido nem para ser explodido, senão a Terra como pachamama, como mãe, onde nasce a veneração, o respeito, o sentido comunitário da convivência, a produção. Não para o enriquecimento, senão a produção para o necessário, o suficiente para todos. Então aqui há valores que nós, a cultura dominante, perdemos e que os povos originários nos recordam. Por aí passa o futuro da humanidade, da importância de dar-lhes centralidade a eles, os escutar, porque isso nos ajuda a encontrar um caminho que tem futuro.

O legado de Paulo Freire

Para nós não há outro caminho que não seja esse que Paulo Freire nos ensinou com A pedagogia do oprimido. Isto é, no fundo ninguém é pobre. Tudo tem uma riqueza porque a cada pessoa pensa, produz valores, e o pobre não é um pobre, é um oprimido, um fato pobre, um empobrecido. E quando os empobrecidos se reúnem, criam uma força e se fazem sujeitos da sua libertação. Então os pobres unidos fazem um movimento de libertação. Não é o Estado, nem a Igreja, nem as pessoas de boa vontade as que vão libertar aos pobres. São os pobres mesmos, quando elaboram uma consciência, um projeto, se unem, e nós entramos como aliados pela porta de atrás, os apoiando, caminhando juntos. Então Paulo Freire ensinou-nos isso, que eles têm uma força histórica e que eles podem mudar a sociedade, e que nós junto a eles aceleramos esse processo.

Contradições de governos progressistas na América Latina

Temos democracias que se estão solidificando, fortalecendo a cada vez mais. Porque todos vimos de ditaduras militares, de regimes repressivos. Então é importante que tenha essa liberdade. Mas há contradições que vêm do projeto neoliberal que está ainda vigente. A maioria dos governos faz políticas públicas a favor do povo, como o programa Fome Zero, ou apoiando a agricultura familiar ou fortalecendo os grupos de base, mas muitas vezes têm que conceder, para manter a estabilidade, muitas coisas que eles mesmos criticam, mas que pertencem à lógica do capital, que é hegemônico e que impõe a sua força. Especialmente o agro negócio, que avança sobre os bosques e desfloresta.

É importante, pelo menos no Brasil constatamo-lo, que na medida em que os grupos de base, os sem terra e outros, pressionem ao Estado, o obriga a estabelecer leis.

América Latina de aqui a vinte anos

Eu não sou mago nem profeta, mas imagino que se ir-se-ão consolidando a cada vez mais as democracias com tom participativo. Isto é, não só elegendo representantes, senão as bases organizando movimentos que pressionam aos governos. Praticamente não há projetos importantes que não devam ser discutidos com os movimentos sociais. Então a democracia será mais participativa e isso ao meu julgamento se vai fortalecer a cada vez mais. Daí a importância de multiplicar os movimentos sociais, manter as redes de interdependência, porque isso cria uma força social que em dado momento pode transformar em uma força política que decide eleições e que impõe mudanças profundas nas leis, para preservar melhor a natureza e para que o benefício dos pobres seja mais amplo e mais fundo.

A água e os deslocados ambientais

Mais grave que o aquecimento global é a escassez de água potável. Há mais de mil milhões de pessoas que têm insuficiência de água e duas mil milhões que têm as águas contaminadas. Por ano morrem mais de quinze milhões de meninos menores de cinco anos. E o aquecimento global fará com que muitas regiões tenham menos água, maior erosão dos solos, perdas de colheitas e portanto migração forçada. Uma deslocação de milhares e milhares de pessoas, especialmente da África e o sudeste da Ásia. Porque um pode fazer greve de fome por quinze ou dezessete dias, mas sem água não. Ao quarto dia já te morres.

Para os governos globais

Eu acho que esta situação será tão grave, que obrigará a que surja uma espécie de governo global que agora não temos. Porque os Estados nacionais não têm a capacidade de resolver estes problemas, mas juntos podemos atender as demandas. São urgências que a humanidade tem que enfrentar de maneira coletiva e dentro de uma visão global onde sejamos hospitaleiros. A hospitalidade como um dever e um direito. A cada um tem direito de ser acolhido e nós o dever dos acolher, porque somos habitantes da mesma casa, somos irmãos e irmãs da mesma família, a família humana.

Concorrência ou cooperação

Na medida em que o neoliberalismo triunfa e se faz a ideologia comum, mais cresce o individualismo, mais cresce a insensibilidade face ao destino dos demais. E aí é onde vêm as forças da ordem, porque se cria um caos. A situação atual revela o tipo de inumanidade que está presente nas formas de convivência, nos negócios, isto é, todo se transformou em mercadoria, tudo é regido pela concorrência, não pela cooperação. O que mais precisamos hoje é a cooperação de todos com todos, porque somos interdependentes. Mas o que é dominante não é isso, senão a lógica do mercado, que é competitivo, não cooperativo, que só tenta acumular e é insensível à dor dos demais seres humanos.

O Deus do capital

Na AntiCOP falou-se muito de Deus e a necessidade de prestar-lhe atenção à dimensão espiritual. Mas na COP16 também falaram do seu Deus: o dinheiro, o qual lhes organiza todo para manter as moedas com o seu valor, para manter o sistema produtor que gera riqueza, e nunca colocam a questão de qual é o futuro da vida, o futuro do planeta, de como vamos enfrentar os milhões e milhões de vítimas o aquecimento global. Eles vivem uma idolatria fantástica do Deus Dinheiro, e ao seguir esse caminho vamos na contramão da humanidade.

Por isso é importante que os movimentos sociais populares, que têm uma alternativa, uma visão humanista, espiritual, de respeito pelas pessoas, se transformem em um grito de protesto, uma resistência e que não aceitar as soluções que lhes dêem. Trata-se de demonstrar que é possível uma alternativa onde os seres humanos se ajudem mutuamente e não procurem riqueza, senão o suficiente para todos, e aí a Terra será mais que suficiente para a humanidade inteira.

A maior das plagas

Isto mostra o nível de desumanização que se está a criar, não somente na América Latina, senão em todas as partes do mundo. Vivemos em um mundo cruel e sem piedade. Existimos milhões e milhões com fome e não fazemos absolutamente nada. Então, eu acho que aqui estamos no coração de uma crise de civilização que nos vai obrigar a unir forças para defender princípios humanitários. A sustentabilidade dos bens que precisamos, a interdependência de nos ajudar e nos cooperar, cuidando a vida de todos os seres. Fundamentalmente temos que desenvolver a compaixão, estar do lado da vítima, do lado dos que sofrem, para que não estejam sós. Isto é profundamente humanitário. Há que resgatar esses valores que estão dentro de nós, há que os acordar e fazer com que a humanidade trate humanamente aos demais seres humanos. Talvez nunca vivemos tempos de barbárie tão grandes como estamos a viver. Desde uma perspectiva ecológica, quase eu diria que não merecemos viver neste planeta, porque somos demasiado hostis à vida, inimigos dos irmãos e as irmãs.

Um pouco de sentido comum

Se não se resolve o problema global, todos estaremos afetados. Quando a água chega ao nariz e passa à boca, a pessoa emigra ou se morre. Acho que a crise está a agravar-se a cada vez mais e vai afetar também às grande empresas, que vão ter perdas enormes dos seus ganhos. Não se dão conta de que degeneram de tal maneira à natureza, que não podem a explodir mais. O sistema do capital terá dificuldades na sua auto-reprodução. Chegará um momento em que dar-se-ão conta que as suas soluções não são soluções, senão uma falsa solução em uma tentativa de salvar os seus privilégios, de fazer mais do mesmo. O aquecimento global pode produzir um desastre humanitário ecológico para todos, inclusive para eles.

Eu espero que a sabedoria comum da humanidade triunfe, que a vida seja mais forte que a morte. O sentido comum vale mais que o absurdo. Espero que as pessoas se acumulem de energia, de solidariedade e procurem um caminho de saída que seja bom para todos. A consciência é essa, desta vez não há um Arca de Noé que salve a alguns e deixe perecer aos demais. Ou salvamo-nos todos ou perecemos todos e acho que não queremos perecer. A forma de salvar-nos/salvá-nos todos é que eles renunciem à sua perversa intenção de continuar explodindo a Terra, vista como uma fonte de agregado de riqueza.

De outro mundo é possível a outro mundo é necessário

Entramos em uma etapa de irreversibilidade. Todos temos que nos adaptar à nova situação. Isto não era assim anos atrás. Suspeitávamo-lo, mas agora temos a comprovação. Os eventos extremos dão-se pelo mundo inteiro, inclusive o sul do Brasil tem a cada vez com mais freqüência tifões, vendavais, inundações, e isso passa no mundo inteiro. Então vemos que não basta dizer “outro mundo é possível”. A urgência é que temos que mudar agora, porque caso contrário as vítimas serão inúmeras e será insuportável para muita gente viver em certas regiões. Vão ter que emigrar e se vai criar uma confusão interna extraordinária. Temos que nos antecipar e fazer as mudanças necessárias. O relógio corre na contramão nosso. Daqui a pouco será um caminho sem volta.

Socialismo ou morte

Temos este pequeno planeta super povoado, empobrecido e velho. E neste pequeno planeta vivem quase sete mil milhões de pessoas. Mas não estamos sós, vivem outros seres vivos: animais, plantas e todos os seres que precisam da biósfera, e para que possamos sobreviver juntos, temos que repartir. Daqui a pouco seremos todos socialistas. Não por opção biológica, senão por estatística. Temos que repartir para que todos possam ter o decente, e para isso a Terra é suficiente. E vamos fazê-lo. Não porque queiramos ou não queiramos, senão porque não temos alternativa. Ou fazemo-lo, ou vamos assistir à morte de milhões de pessoas, a desastres ecológicos de grandes magnitudes. E aí as pessoas vão aprender do sofrimento. Já o dizia um filósofo antigo: o ser humano não aprende nada da história, aprende todo do sofrimento. Melhor aprender da argumentación, da reflexão, do convencimiento, e não naquele limite extremo do sofrimento, onde se joga a vida ou a morte.


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