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Cabeça-de-vento

Diego Bernal

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Cabeça-de-vento

Diego Bernal - Publicado: Segunda, 14 Fevereiro 2011 01:00

Diego Bernal

Celso Cunha e Lidley Cintra, os dous gramáticos mais importantes da lusofonia, incluíam, sem hesitaçom, as falas galegas como parte da língua conhecida internacionalmente como português.


Nom supunha isto novidade algumha.  A filologia sempre considerou as falas galegas e portuguesas como duas variedades do mesmo idioma. Esse foi o tratamento que lhe deu o pai da filologia espanhola, Menéndez Pidal, e, naturalmente, os seus discípulos.

Porém, às vezes, estes dados nom chegam, pois, certos filólogos, bem cuidados polo poder, desenvolvêrom teorias muito sisudas onde defendem que a separaçom entre galego e português data já, nem mais nem menos, do século XIV.

Por isso, resulta bem efetivo enxotar árduos debates que atrapalham os neurônios e simplesmente pôr os pés na terra. Por exemplo, na salgada terra de Muros.

No sopé do Monte Louro, à beira da lagoa de Xarfas, naquela maravilha geográfica que encerra a morte do rio Tambre, ouvim, há já anos, umha velhinha chamar à sua atolada neta de cabeça-de-vento. Pareceu-me tam formosa a metáfora que logo a gravei na memória e mesmo cavilei no charme fundamente poético que a expressom continha.

Maior foi, no entanto, a minha surpresa quando, pouco depois, vendo o filme de estrada Bonnie e Clyde, na versom original legendada em português, o personagem interpretado por Warren Beatty chama de cabeça-de-vento a um parceiro de malfeitorias por cometer umha loucura qualquer.

Agora que moro no Brasil e que ouço todos os dias palavras tradicionais galegas aplicadas ao mundo urbano. Agora que umha mulher me recomenda comprar umha  peneirinha para o banheiro, o dentista me pergunta se esfarelou o dente, compro no supermercado filés de alcatra, e vejo na televisom desenhos do pica-pau. Agora que sinto às pessoas brancas, pretas, mulatas, orientais, dizerem ditados como misturar alhos com bugalhos embora nom tenham visto nem saibam o que é um bugalho. Agora, pergunto-me eu, que língua regional é essa que me serve para me mexer todos os dias na cidade mais visitada do cone Sul? Que língua inútil é esta que utilizam todos os galegos e galegas, por simples intuiçom, quando vam de férias a Lisboa ou São Paulo? Que língua limitadora é esta em que explico a um brasileiro (eu!) o significado de bugalho.

Resulta curioso que os mesmos que dim que o galego nom tem utilidade também defendam com grande entusiasmo que o galego só se fala na Galiza. Mesmo chegam a afirmar que galego e português som línguas diferentes sob o espúrio argumento de querer preservar a autenticidade das falas galegas.

A autenticidade das falas galegas sobrevive no Rio de Janeiro, onde podes comer umha empada carioca ou um anaco de broa num local de comida rápida enquanto ouves palavras como luar, meiga ou faísca.

Ao professor Carvalho Calero parecia-lhe imoral a desmembraçom do catalám e do galego, em valenciano e português, respectivamente, face à defesa da unidade do bloco central, representado polo castelhano-andaluz. “As palavras –dizia o professor lembrando Castelao- como os pássaros, voam por cima das fronteiras, e as línguas nom se constrangem aos limites administrativos”.

E como pássaros voárom até ao Brasil milhares de palavras galegas, ceives como o vento, onde o mais ocidental dos romances, a milenária língua criada polo génio do povo galego, galopa livre como cavalo selvagem. E onde, por falar nisso, aos tolinhos também lhes dim cabeça-de-vento.


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