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060611_combracBrasil - Brasilianas - [Lilian Milena] De acordo com estudos da Universidade Federal da Bahia, a cidade mais poluída por chumbo do mundo é brasileira e está situada ao sul do recôncavo baiano, a 73 km de distância da capital Salvador. Seu nome, por ironia, é Santo Amaro da Purificação, com 57.800 mil habitantes, segundo dados mais recentes do IBGE.


O município ganhou esse título graças a Companhia Brasileira de Chumbo (Cobrac), que durante três décadas despejou 490 mil toneladas de rejeitos contaminados de metais perigosos, entre eles chumbo, cádmio e mercúrio.

Em janeiro de 1994 a usina fechou as portas. Entretanto, o Conselho Administrativo Regional da Bahia só tomou conta do fato meses depois, através da imprensa. Hoje, após 17 anos, nenhum plano de recuperação de áreas degradadas (PRAD) foi realizado na região. Denúncias feitas pela Justiça Ambiental revelam que centenas de moradores estão sendo contaminados, sem nenhuma medida para conter ou remediar o desastre ambiental.

O doutor Anthony Wong, do Centro de Controle de Intoxicação da USP, explica que a contaminação de chumbo se dá, principalmente, via inalação ou ingestão de poeira. A concentração a partir de 45 microgramas do metal a cada decalitro (0,1 litro) de sangue, em adultos, provoca o chamado saturnismo: fadiga, distúrbios de sono, dificuldade de concentração, impotência e afinamento de braços e pernas. Em quadros crônicos chega a provocar retardo mental.

Em mulheres grávidas, com níveis de chumbo acima de 8 ?g/dl, o feto tende a se desenvolver com deformidades sérias físicas e cognitivas. Em crianças, o metal provoca redução da capacidade de absorção de ferro e cálcio no corpo, comprometendo o desenvolvimento físico e intelectual do paciente.

"Tanto faz [se a exposição foi] crônica ou aguda. O chumbo entra no organismo e persiste por muito tempo e afeta tremendamente a capacidade neurológica. Um dos motivos é que ele interfere na produção de hormônios. O chumbo se acopla dentro das enzimas que transportam os sais necessários para o organismo", explica Wong.

Não existe ainda, segundo o médico, um tratamento capaz de reverter os danos causados pela intoxicação por chumbo. Os medicamentos utilizados agem concentrando o metal do corpo do paciente para serem eliminado via urina. O mais eficaz deles é o Rx flourescente (RXF), difícil de ser encontrado no Brasil. O toxicologista ressalta que antes de iniciar qualquer tratamento o paciente deve deixar de ser exposto ao metal.

Um dossiê sobre a tragédia ambiental foi entregue pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) à presidente Dilma Roussef, na última audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), no dia 26 de maio. O documento foi produzido pelo Grupo de Trabalho da Justiça Ambiental, e encaminhado ao tribunal Regional Federal da 1º Região em junho de 2010. Após ler o relatório, a presidente determinou que sejam tomadas providências para que a situação em Santo Amaro se resolva de uma vez por todas.

O trabalho revela que, além da falta de cuidado quanto à deposição de resíduos da Cobrac, parte desse material foi utilizado pela prefeitura para pavimentar logradouros públicos, e pela própria população na construção de casas. Hoje o local da fábrica está abandonado e é possível observar os tanques de decantação utilizados nos filtros da usina ao ar livre. Quando chove, o material escorre direto para o Subaé, principal rio da região.

A Cobrac

A Cobrac pertencia ao grupo de capital francês Penãrroya, e, em 1989, foi comprada pela Plumbum Mineração e Metalúrgica Ltda, do Grupo Trevo. Chegou a empregar 1000 funcionários, mas quando fechou as portas, em janeiro de 1994, contava apenas com 300 trabalhadores.

A empresa decidiu abandonar a mina, porque, na época, a oferta internacional de chumbo era maior e os custos de produção em Santo Amaro já não compensavam mais. Contudo, segundo Itanor Júnior, advogado ambientalista responsável pelo grupo parlamentar da frente ambientalista que produziu o dossiê entregue à presidente Dilma, a fábrica não está totalmente fechada.

"A fábrica funciona como pólo privado e com funcionários lá dentro. São entre dez a 15 pessoas operando, contendo área privada. A responsabilidade delas é guardar arquivos, e guardar a segurança do local", conta. Segundo o especialista, pelo menos o raio de um quilômetro ao redor da fábrica deveria ser interditado e fechado para evitar a contaminação de pessoas e animais. Nesse perímetro vivem cerca de 7 mil pessoas.

Os ex-trabalhadores entrevistados pela Justiça Ambiental afirmaram que a fábrica não tinha lavanderia e, portanto, os funcionários tinham que lavar seus uniformes em casa. A água que eles tomavam durante o horário de trabalho era armazenada um latão sem tampa e não existia refeitório na empresa, portanto comiam suas marmitas num pátio, a céu aberto.

"Os trabalhadores relataram que faziam exames de urina de 6 em 6 meses e os que apresentavam chumbo no sangue eram afastados. Todavia nunca receberam os resultados em mãos. O último exame foi realizado em dezembro de 1992", consta no dossiê.

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Os ex-funcionários afirmam, ainda, que não conseguem emprego "devido ao chumbo no sangue". Processos trabalhistas contra a Cobrac tramitam há mais de 20 anos na justiça. O grupo de trabalho da Justiça Ambiental solicitou registros históricos de atendimento ambulatorial e internação hospitalar da Santa Casa de Misericórdia para analisar os casos de contaminação em Santo Amaro, mas os prontuários nunca foram disponibilizados.

O grupo também constatou que não havia registros de atendimento obstétrico hospitalar anteriores ao ano de 1985, e dos anos que restavam, nem todos os meses foram devidamente documentados. A equipe também visitou a Secretaria de Educação para colher dados sobre o rendimento de alunos e foi informada que os dados anteriores a 2001 foram queimados ou apagados dos arquivos. "As provas são importantes para identificar a alteração neurológica de crianças, e nem as provas de alunos em Santo Amaro foram guardadas", completa Itanor Júnior.

O dossiê foi feito com base nas denúncias feitas há 30 anos por universidades, pesquisadores e entrevistas realizadas junto à população local.

Uma das moradoras e esposa de ex-trabalhador já falecido conta que, de 11 gestações, uma resultou em aborto espontâneo, um bebê falecido logo após o nascimento, três nasceram com baixo peso, um prematuro e três filhos morreram ainda crianças por "canseira no pulmão".

As imagens abaixo são de crianças de Santo Amaro da Purificação, tiradas na Santa Casa de Misericórdia, e foram anexadas ao dossiê:

Padre Macário

Santo Amaro da Purificação nasceu de uma vila situada acima das margens do rio Subaé, onde ficava uma capela dos monges beneditinos que rezavam a Santo Mauro, daí Santo Amaro, em português. Isso por volta de 1800.

Quase cem anos depois um sacerdote de Deus é apontado como responsável pela aceleração do "progresso" trazido à cidade via exploração do chumbo. Esse foi Padre Macário, que em 1954, decidiu enviar uma amostra de mineral encontrada nas proximidades do povoado chamado Boquira (atual região de Santo Amaro), a um laboratório no Rio de Janeiro. As análises provaram que era chumbo, como desconfiava Macário. O padre largou a batina e se tornou o primeiro empreendedor das minas.


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