"É a mesma coisa que a gente chegar na casa de alguém e falar: 'eu descobri essa casa'. É que nem se fosse assim aqui, nas histórias". A frase é de Charlie, integrante dos Brô MCs, grupo indígena de rap que é original de uma cidadezinha próxima de Dourados (Mato Grosso do Sul), na divisa do Brasil com o Paraguai. Na dúvida se ele está falando da colonização da América do Sul ou da constante invasão e degradação de terras indígenas no país, esclarece-se: das duas coisas. O tratamento de exclusão e desrespeito que se dá aos índios por aqui é o mesmo desde 1500, e é contra que cantam os Brô MCs. E em idioma original.
A banda faz um rap diferente, misturando bases clássicas com instrumentos de origem guarani kaiowá e toques da musical brasileira.
O escolhido pelo grupo foi o ritmo norte-americano com letras em guarani e em português por várias razões. Primeiro, porque ele surgiu do contexto das oficinas oferecidas em um Ponto de Cultura da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Os quatro rapazes que o fundaram participaram de aulas de dança da CUFA (Central Única de Favelas), aprenderam a dançar o rap, e então um deles começou a compor letras de música. Em 2008, nascia a formação básica dos Brô Mc's: Bruno, Charlie, Kelvin e Clemerson.
Depois, eles chegaram à conclusão que Brô MCs – que vem de "brothers" – era um nome bacana, porque são duas duplas de irmãos (Bruno e Clemerson; Charlie e Kelvin) que queriam, de fato, buscar uma integração. "Brother, irmão, em linguagem indígena, seria [em guarani] Xerykey, se for mais velho, e Xeryvy, se for mais novo", explica Kelvin. "Como o rap tem sua origem no inglês, o nome ficou assim como uma forma de mostrar ao homem branco que nós queremos paz".
Eles fundaram o quarteto, levando em conta o cotidiano de sua região, onde os conflitos ao redor da posse de terra ameaçam a forma de vida ancestral dos indígenas. Rapear se tornou a maneira de canalizar as reivindicações e os conflitos da comunidade nativa da maior reserva urbana do Brasil. Adany Muniz, um dos integrantes da formação atual, explica que o Mato Grosso está dominado pela economia do agronegócio, que os "rejeita e persegue". "Existe muito conflito pela questão da terra e o preconceito contra o indígena. A sociedade não aceita nossa cultura e nossa identidade, então somos muito melhor recebidos em outros estados onde não há indígenas como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília", diz.
Cantar em duas línguas foi uma escolha natural. Ao mesmo tempo em que no Brasil se fala português, "valorizamos nossa língua". "Somos o único grupo indígena no país que faz rap e mistura português com guarani", afirma Bruno. Os Brôs têm se apresentado com frequência cada vez maior desde que se tornaram mais conhecidos, em 2010, no Brasil e no Paraguai – onde o guarani é idioma oficial junto ao espanhol e falado por mais de 90% dos paraguaios, de acordo com o último censo local. Kelvin acredita que a banda se transformou em "uma oportunidade muito grande para mostrar a capacidade da cultura indígena" e de sua língua.
Clemerson destacou a surpresa que causaram na própria aldeia quando começaram a cantar rap. Depois veio o lançamento do primeiro CD, em 2012, a gravação de um clipe que já tem mais de 200 mil acessos no YouTube e ampla repercussão na imprensa. Chegaram a abrir um show de Milton Nascimento, se apresentaram em unidades do Sesc de São Paulo e inclusive tocaram em Brasília, para a presidenta Dilma Rousseff. O futuro, apesar do que já foi alcançado, pede muitas conquistas mais. O que esperam é continuar cantando para "imortalizar o guarani" e divulgar o conflito de sua terra.