O destino dos "gastos públicos" não tem sido submetido a uma avaliação mais criteriosa, restando a ênfase oferecida à redução de investimentos públicos no bem-estar social, à retração de direitos coletivos, trabalhistas. O "ajuste" – tentam convencer-nos os seus adeptos – deve ter como destinatário as classes trabalhadoras, populares e médias. Aumento de taxas e impostos, com nítido caráter regressivo, afetando especialmente os mais pobres.
Em um impressionante giro discursivo, os governantes eleitos em 2014, que no período eleitoral procuraram atenuar qualquer problema fiscal e econômico, assim que assumiram deram início a medidas restritivas e operaram com um discurso bastante diferente, acenando com um cenário negativo à população.
Os problemas claramente se fazem sentir. Fiquemos apenas com dois, já notórios: de um lado, o adiamento do início das aulas em universidades federais e estaduais, como no Paraná e no Rio de Janeiro, em que a redução orçamentária para o custeio de atividades elementares compromete a oferta do ensino. De outro, as perversas restrições para a obtenção do seguro-desemprego.
No entanto, uma das variáveis mais importantes para compreender a atual crise econômica brasileira costuma ser esquecida. Como diria Leonel Brizola, que foi expoente do trabalhismo socialista – uma corrente política anti-imperialista e nacionalista socializante –, falta abordar a "causa das causas", qual seja: "as perdas internacionais", a condição dependente do Brasil na cena mundial. Trata-se, pois, da participação subordinada do país na divisão internacional do trabalho.
Anos a fio, com o crescimento do consumo mundial de produtos primários ("commodities"), particularmente da China, a economia brasileira andou bem, para os padrões do capitalismo periférico, com as gestões Lula/Dilma conseguindo compatibilizar diferentes interesses de classe, sob a base de uma distribuição sobremodo desigual, mas efetiva, dos frutos do aquecimento econômico.
Contudo, ao menos há um ano, o consumo internacional diminuiu sensivelmente: em particular, a China reduziu suas compras em quase 40%, entre janeiro de 2014 e 2015, segundo nota emitida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (1).
Difícil argumentar que tal cenário possa ser revertido tão cedo, pois, como há décadas haviam ensinado os economistas Raul Prebisch e Celso Furtado, a prioridade concedida à produção de bens primários resulta, para uma sociedade em posição subalterna na divisão internacional do trabalho, em preços e vendas a depender acentuadamente do consumo internacional.
Demonstrando uma clara e irrefletida aceitação do antigo modelo primário-exportador, associado a um parque industrial cada vez mais desnacionalizado, o Brasil paga a fatura, uma vez mais, pela centralidade concedida à produção e à exportação de bens primários. Segundo matéria de O Estado de S.Paulo, praticamente 50% da pauta de exportações giram em torno de petróleo bruto, minério de ferro, soja, açúcar e café (2).
Em que pesem especificidades entre os partidos, grossa parte do establishment político, PT, PSDB, PMDB, DEM, PSB etc. – abertamente norteada pelos valores e os interesses emanados dos círculos de poder midiático e econômico – está mergulhada no consenso primário-exportador da inserção dependente e subordinada na economia mundial. Desse establishment a única resposta à atual crise tende a ser o aumento da extração da mais-valia sobre os trabalhadores, acompanhado de um incremento da tributação regressiva.
Então, faz-se necessário recuperar a velha, mas decisiva, discussão sobre projeto de nação. O que queremos? Quais as finalidades da produção, do trabalho despendido pela maioria? Qual o tipo de futuro que queremos deixar para as próximas gerações? Vamos nos orientar apenas para gerar maior acumulação para corporações nacionais e multinacionais e para grandes fazendeiros?
Nesse sentido, é decisiva a reorientação dos rumos, com maior participação popular no debate público nacional, assim como uma mudança do sistema produtivo, tendo em vista estímulos à produção de bens elaborados e dotados de maior domínio tecnológico, preferencialmente nacional.
É preciso contestar a centralidade do chamado agronegócio e problematizar o perfil de acolhimento das empresas multinacionais, que trazem poucos recursos em comparação às suas remessas ao exterior. Tais empresas contribuem para o desequilíbrio das contas brasileiras e inibem o desenvolvimento e o domínio nacional de conhecimentos e tecnologias. Sempre válido lembrar, na contramão do que diz o oligopólio da mídia: agronegócio e multinacionais são parte importante da crise, fatores expressivos das "perdas internacionais".
No mês em que se completam 51 anos do golpe empresarial-militar, tratam-se de questões que afetam aos interesses de poderosos e consolidados setores econômicos instalados no país e que foram, de maneira ousada, incluídas nas "Reformas de Base" do destituído presidente João Goulart.
Não seriam poucas as implicações positivas, sociais, educacionais, econômicas e políticas, que poderiam resultar ao se mexer nesse "vespeiro". As adversidades, obviamente, não são, nem seriam pequenas. Contudo, por sua alta importância coletiva, mas esquecida de maneira contumaz pelos poderes estabelecidos, resta apenas às esquerdas, partidárias ou não, o papel principal na promoção do debate a respeito e a busca por iniciativas consequentes.
Notas:
(1) Consultar nota completa, disponível em:
http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=567.
Roberto Bitencourt da Silva é doutor em História (UFF), professor da FAETERJ-Rio/FAETEC e da SME-Rio.