Procuro ampliar a escala de observação para sair do calor da conjuntura. O debate estabelecido entre, de um lado, petistas empedernidos e acríticos e, de outro, líderes demotucanos e frações de classes médias teleguiadas pelos conglomerados de mídia, convenhamos, mais embota do que auxilia a compreensão do crítico momento.
Em primeiro lugar, é necessário frisar que nos encontramos em um contexto de crise capitalista mundial, em que as fronteiras da mercantilização de serviços, bens materiais e intangíveis, necessidades individuais e coletivas têm sido intensificadas há tempos.
Sem territórios novos para a incorporação ao “mundo do mercado”, a ânsia especulativa do grande capital invade as mais diferentes esferas da vida. Hoje, a própria educação pública é alvo de extração privada de rendimentos, via expropriação orçamentária, com parcerias feitas entre Poder Público e empresas privadas, fundações e ONGs.
Os cortes orçamentários na educação pública, básica e superior, giram igualmente em torno de adaptações dos orçamentos públicos ao financiamento do grande capital nacional e internacional.
No Rio de Janeiro encontram-se em greve três importantes setores da educação pública estadual (Seeduc, Faetec e Uerj), precisamente para denunciar esse estado de coisas, contra as medidas draconianas de desinvestimentos e eliminação de direitos coletivos.
A privatização integral da Petrobras, então, está ali na esquina, como demonstraram os debates tecidos recentemente no Senado, com a aprovação do projeto entreguista do sr. José Serra, que chegou a contar com acordos com o governo federal.
Uma variável ainda decisiva a se levar em conta no momento é a queda acentuada no consumo e nos preços internacionais dos bens primários. Como o nosso país depende, fundamentalmente, das receitas com exportações, a crise econômica vem aumentando de uns dois anos para cá, sem horizonte de superação nesse quadro de dependência externa.
A fórmula de governo adotada pelo PT desde 2003, sob Lula e Dilma, tem sido marcada pela compatibilização desigual entre interesses contraditórios de classe. O agronegócio, o comércio, as corporações multinacionais e os bancos ganharam e tem ganhado muito. Os trabalhadores obtiveram aumentos salariais e o programa de combate à miséria foi incrementado.
Contudo, a diferença entre os ganhos, evidentemente, foi e é gigantesca: apenas os lucros do Bradesco e do Itaú, em dois, não mais do que três meses, têm regularmente superado o orçamento anual do programa Bolsa Família. A velha fórmula da “conciliação” foi adotada pelos governos PT, como se a roda tivesse sido inventada.
Nesse sentido, as recorrentes comparações entre as perseguições e hostilidades sofridas pelo PT, a presidente Dilma e Lula, com os ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart são insustentáveis.
Getúlio Vargas (1951-54) e Jango (1961-64) governaram sob o pano de fundo da Guerra Fria e de crises sistemáticas de escassez de divisas, em virtude dos baixos preços das “commodities”. Mesmo assim, sem recursos à disposição para “conciliar” os interesses das oligarquias internas e do grande capital internacional com os dos trabalhadores, optaram por iniciativas e propostas ousadas e conflitivas, que não deixavam de lado os interesses nacionais e do povo. Senão vejamos.
No governo Getúlio Vargas foi criado o BNDES, a Petrobras e estabelecido o monopólio estatal do petróleo. Aumentou em 100% o salário mínimo e tentou criar a Eletrobras e disciplinar o capital estrangeiro.
No governo João Goulart foi criada a Eletrobras e defendida as reformas agrária e bancária. Foi aprovada e regulamentada a lei da limitação das remessas de lucros do capital estrangeiro. Igualmente importante, foi estimulada a ampla participação dos trabalhadores nas agendas pública e de governo.
Em relação ao segundo governo Dilma, com as limitações internacionais oriundas da queda das vendas e dos preços mundiais das “commodities”, a opção clara foi restringir o emprego, o consumo e os direitos dos trabalhadores.
Nos deparamos com aumento dos juros e do desemprego; amplo e acrítico acolhimento e financiamento público do grande capital estrangeiro e nacional; com um óbvio comprometimento do orçamento público da União com agiotas e especuladores e com o apoio do governo a uma lei antiterrorismo, que criminaliza os movimentos sociais.
Essa agenda do governo Dilma é totalmente compatível com a preconizada pelo PSDB/DEM, com prováveis diferenças de ritmos e formas.
A funcionalidade do PT para o sistema oligárquico e capitalista brasileiro está esgotada. A opção das classes dominantes no país é pela intensificação da retirada de direitos sociais e pelo acento à subordinação da economia e da vida nacional ao grande capital internacional. Um entreguismo turbinado.
Ah, o autor criticou tanto o PT e nada fala sobre a “direita”, a “mídia”?! Dilma, Lula e o PT não guardam qualquer relação com as experiências de Getúlio e de Jango, sobretudo no que compete às visões de país.
Agora, as direitas com pendores fascistóides, os conglomerados de mídia, em especial as Organizações Globo, estes, meus amigos e minhas amigas, são os mesmos de sempre, em suas posições entreguistas, antinacionais e antipopulares. Nenhuma novidade.
Como há muito destacava o professor Florestan Fernandes, um dos fundadores históricos do PT – e obviamente esquecido pelo mesmo –, as classes dominantes brasileiras, urbanas e rurais, sempre foram filhas do colonialismo e do escravismo. Nunca tiveram qualquer laivo de preocupação com interesse nacional e justiça social. O PT fez questão de se esquecer disso.
Quanto ao governo Dilma e ao Partido dos Trabalhadores nem eles mesmos conseguem se defender. Abraçaram a alternativa do abandono de projetos e de suas bases sociais. Optaram pela transação pelo alto, com setores que não querem mais transação alguma.
A única solução para o povo brasileiro é se preparar para o que vem. Mais cedo ou mais tarde, afastado o PT, tratado como lastimável “resíduo inservível” ao sistema, o horizonte é de uma aberta e feroz ditadura do grande capital estrangeiro e nacional.
Roberto Bitencourt da Silva é historiador e cientista político.