Foto: cartaz presente em protesto no Brasil durante o ano de 2013.
Em junho haverá paralisação institucional de vários setores, inclusive da educação, por conta da Copa do Mundo. Até mesmo em cidades que não serão sede de jogos as escolas vão parar por semanas e não somente nos dias das partidas. Das 27 unidades da federação, somente 12 terão jogos, nas capitais. Ainda, é no mínimo curioso que nessas cidades sede se proíba a circulação de ambulantes, algo saudável e que enriquece o ambiente dos jogos de futebol, fazendo parte da cultura do povo brasileiro e movimentando a economia informal. Ao invés disso, a afronta as leis do país, com áreas delimitadas pela FIFA em que só se pode comercializar os produtos superfaturados e sem graça de seus patrocinadores, uma verdadeira zona de exclusão criada pelo capitalismo e que elitiza a nossa paixão pelo futebol, fazendo do consumismo um esporte.
A Copa no Brasil só não é mais longe do que as que ocorrem em outros países porque sentimos o gás lacrimogêneo da polícia dentro de nossas casas, reprimindo quem protesta – pacificamente ou não – contra a corrupção e por uma gestão mais eficientes de nossos recursos. Qual a diferença entre o Brasil jogar no Maracanã ou em Tóquio, se os valores cobrados pelos ingressos são abusivos? O jogo continuará sendo assistido pela televisão. O quê muda na vida das 15 unidades federativas que não terão jogos, ou mesmo nas cidades sedes, se a população mais pobre não terá dinheiro para ir ao estádio? Parte disso já começou a ocorrer em jogos do Campeonato Brasileiro 2013 e nos campeonatos estaduais de 2014, com baixíssima média de público nos estádios.
A FIFA, juntamente com o governo brasileiro e a mídia (sobretudo a Globo) querem enganar que haverá um espírito de Copa no Brasil, pois ganharão muito dinheiro com direitos de imagem ou capital político com a exposição de políticos "amigos da seleção". Porém, o espírito que de fato tomou conta de nosso povo foi o de indignação contra a transformação do dinheiro público em um circo eleitoreiro e a maior oportunidade que a FIFA já teve de lucrar em um mundial.
O que acho mais curioso são os capitalistas que sempre reclamaram das greves dos professores, argumentando que atrapalha a aprendizagem dos alunos. Pois bem: temos um mês de calendário escolar interrompido por um saque aos cofres públicos travestido de Copa do Mundo e não estou vendo ninguém reclamar disso! Parar aula para melhoria salarial dos professores não pode, mas para bater palma para a corrupção, aí tá permitido? Parar uma escola por motivo de obras que comprometem a segurança dos alunos não é permitido porque isso significa criança em casa e menos votos, mas parar o país porque duas seleções estrangeiras vão jogar a mais de 1.000 quilômetros de sua casa, sendo que você não tem dinheiro sequer para assistir aos jogos na sua cidade, é encarado como algo positivo. Parar o trânsito por algumas horas para fazer um protesto exigindo concurso para profissionais da saúde não pode, mas causar engarrafamentos a perder de vista para fazer transportes futuristas que ligam aeroportos a hotéis, como se essa fosse a demanda de fluxo dos trabalhadores brasileiros, aí tudo bem.
No DF, por exemplo, temos o estádio mais caro do mundo na mesma região de escolas com falta de livro didático, sem contar o calote que o próprio governador deu em verba específica (PDAF) para direções de escolas pagarem pequenas reformas e comprarem material de ensino. Por parte do Governo do Distrito Federal, do partido da Presidenta da República, não há nenhum plano de enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes, concentrada na Rodoviária do Plano Piloto e Setor Comercial Sul. Essa exploração ocorre ao lado dos setores hoteleiros sul e norte, onde se concentrarão a maior parte dos turistas que virão aos jogos, dentre eles os pedófilos e traficantes internacionais de pessoas e órgãos. Outro dado importante: a exploração ocorre a 2 km de distância do Congresso Nacional e outros 2 km do Estádio Mané Garrincha, um fator que potencializa a atuação de criminosos com a ausência de políticas sociais. Talvez seja o DF a maior representação de que espírito da Copa não passa de um eufemismo para camuflar o jogo de poder entre empreiteiras, patrocinadores, governo e FIFA.
Entretanto, a Copa do Mundo mais cara já realizada também deixou algo bom, por mais que tenha cobrado o preço injusto do superfaturamento: a indignação do povo brasileiro manifestada não somente nas redes sociais, mas tomando o espaço público das ruas em todo país! O que era para ser uma vitrine para os investidores internacionais, afirmando que os trabalhadores brasileiros são dóceis e aceitam a flexibilização de direitos trabalhistas, transformou-se na dor de cabeça dos governistas e da oposição de direita. Compactuo com a avaliação do camarada Renato Roseno, do PSOL, que disse que nos cenários de revolta popular todo mundo apanha mas no final a direita cresce, com pautas como a redução da maioridade penal, e a esquerda cresce mais ainda, com a cobrança por direitos fundamentais.
Diante disso, a Frente de Esquerda (PCB, PSOL e PSTU) deve ser a alternativa não apenas nas urnas mas principalmente nas lutas, nas ruas, que é o espaço democrático de transformação da sociedade. Nosso programa político deve ser o programa de junho de 2013, ressalvadas as reivindicações da burguesia infiltrada que nunca saiu de casa e aproveitou da reivindicação dos trabalhadores para dar visibilidade ao seu egoísmo de sempre. Que a esquerda não jogue fora essa chance, sejam os inconsequentes que querem fazer chapa pura para rachar partidos e se projetar em seus domínios eleitorais, sejam os próprios militantes que devem se preparar para uma estrutura de guerra armada pelo PT para frear as lutas populares, como o empenho para a aprovação da lei contra o terrorismo que tem como pano de fundo o cerceamento a liberdade de expressão. A Frente de Esquerda juntamente com movimentos sociais como o MST, MTST, autonomistas e outros coletivos devem se unir taticamente para causar derrotas ainda maiores no flanco aberto pelos abusos da Copa da Corrupção e não deixar que esse evento se transforme no pão e circo que o PT quer.
Pelo nosso amor ao futebol, mas sobretudo por nosso amor ao povo brasileiro, das crianças que não tem o que comer aos idosos que morrem por falta de medicamentos na fila do SUS, que nos preparemos para a guerra de junho que se aproxima.
Rafael Ayan Ferreira é Pedagogo, Mestre em Educação pela Universidade de Brasília e graduando em Serviço Social pela mesma universidade. Professor da SEDF (Secretaria de Educação do Distrito Federal) e do IESB (Instituto de Educação Superior de Brasília).