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150812 siria guerracivilSíria - Stop War - [Sami Ramadani, Tradução do Diário Liberdade] Os que advogam por uma intervenção humanitária da OTAN na Síria afirmam amiúde que ali não passará como no Iraque.


E têm razão: o que passar será muito pior na Síria e a intervenção mesmo poderia constituir o prelúdio duma guerra contra o Irão.

É EVIDENTE que a administração Obama adotou algumas das mudanças tácticas que levou a cabo a administração Bush logo da escalada de baixas americanas no Iraque em 2004.

A mudança foi abandonar as invasões diretas e as ocupações e passar a encorajar a desestabilização, as operações clandestinas e os conflitos civis. O objectivo na Síria, no Líbano e no Irão é o mesmo: a mudança do regime por forma a favorecer interesses estratégicos. Para o conseguir não se exclui o emprego de bombardeamentos aéreos e ataques com aviões não tripulados.

O general norte-americano Wesley Clerk, antigo comandante supremo das forças da OTAN na Europa, declarou à jornalista Amy Godman que, poucas semanas depois dos brutais atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, um memorando escrito pelo então Secretário da Defesa Donald Rumsfeld descreveria “como havemos conquistar sete países em cinco anos, a começar pelo Iraque, e depois a Síria, o Líbano, a Líbia, a Somália e o Sudão, para terminar no Irão”, depois de invadir Afeganistão.

O falhanço dos EUA no Iraque e a derrota israelita no Líbano em 2006 mudaram a ordem, os modos e os resultados desta “conquista” de oito países:

 

  • O Afeganistão ainda suporta a ocupação por parte de forças da OTAN lideradas pelos EUA, da qual recolhe os seus fruitos mortais, enquanto senhores da guerra competem para inundar o mercado mundial da heroína;

  • O Iraque está fragmentado e sofre uma contínua sangria, os atentados terroristas e sectários são diários e a contagem de mortos num país invadido e destruído é da ordem de milhões;

  • A Somália viu-se arruinada por causa da intervenção, mas continuam os combates entre as diferentes milícias;

  • O Sudão está dividido em dous estados em guerra;

  • A Líbia foi bombardeada pela OTAN, o que a converteu num país onde existem centos de milícias violentas e bandos armados;

  • O Líbano foi bombardeado e invadido por Israel, que tinha o apoio dos EUA, mas a resistência libanesa liderada por Hezbollah, que tinha o apoio da Síria, repeliu a invasão;

  • A Síria está hoje envolvida num cruel conflito no que terroristas do tipo dos da Al-Qaeda marcam uma importante presença semelhante à que têm no vizinho Iraque;

  • O Irão é o alvo dos planos de ataque tanto de Israel quanto dos EUA.

 

Olhando para trás, a invasão israelita do Líbano de 2006 pôs de manifesto um desenvolvimento histórico de profundas consequências para a Síria e toda a região. A família reinante na Arábia Saudita, o regime de Mubarak no Egito e o rei Abdullah de Jordânia surpreenderam o mundo árabe ao atacar publicamente Hezbollah enquanto os aviões israelitas bombardeavam uma e outra vez Beirute. Tiraram as máscaras e viu-se estarem de facto aliados com Israel contra o Líbano.

A recente queda de regimes aliados da Arábia Saudita e os EUA como a Tunísia de Ben Ali e o Egito de Mubarak deram o alarme que conduziu aos bombardeamentos da Líbia pela OTAN. O alvo é hoje a Síria, que está no coração do que o Rei Abdullah da Jordânia qualificou de “crescente xiita”, formado pelo Líbano, a Síria, o Iraque e o Irão. É a oposição do “crescente” à hegemonia dos EUA e Israel antes do que a religião ou os direitos humanos que preocupa Washington e os seus aliados ditatoriais na região. Não há muito tempo que os governantes sauditas financiavam o “xiita- alauita” Hafez al-Assad, pai de Bashar, na Síria, o qual mantinha boas relações com o Irão xiita sob a ditadura do xá, e apoiavam o antigo primeiro ministro pró-xiita no Iraque, Iyad Allawi. Agora voltam a apoiar Allawi para ocupar o sítio de al-Maliki.

Foi a mudança de rumo nas políticas regionais da Síria que irritou os EUA, os governantes sauditas e Israel e não o repugnante registo de violações de direitos humanos do regime, porque a mudança de rumo transformou a Síria dum inimigo a um aliado da resistência palestiniana e libanesa e do Irão.

Estratégia dos EUA

Hoje parece óbvio que a reconsideração estratégica das prioridades regionais dos EUA, Arábia Saudita e Israel produziu-se em 2004 a seguir ao falhanço dos EUA no Iraque. Em março de 2007 o americano Seymour Hersh, ganhador do prémio Pulitzer, relatou a nova estratégia norte-americana tal como lha explicaram altos funcionários estado-unidenses. Desenhou-se para o Iraque mas também para o Líbano e a Síria:

“No Líbano, a Administração cooperou com o governo da Arábia Saudita, que é sunita [Wahhabi], em operações clandestinas pensadas para debilitar Hezbolah, a organização xiita apoiada pelo Irão. Os EUA também participaram em operações clandestinas endereçadas contra o Iraque e o seu aliado, a Síria. Um subproduto destas atividades foi o reforço dos grupos extremistas sunitas que defendem uma visão militante do Islão e são hostis à América e simpatizam com Al-Qaeda.”

Mas os EUA consideravam que a Síria e o Irão eram mais perigosos do que os partidários de Al-Qaeda. Dick Cheney e o assessor de segurança nacional saudita, o príncipe Bandar Ben Sultan, contavam-se entre os “arquitetos” dessa estratégia e mais a de contornar os procedimentos normais do Congresso “cedendo a execução ou o financiamento aos sauditas”. Obama semelha ter assumido esta estratégia, de que Hilary Clinton se mostra entusiasta. As rotinas diárias passaram para as mãos do Subsecretário de Estado para Oriente Próximo Jeffrey Feltman, as do príncipe Sultan e mais as de Saad Hariri, um multibilionário com dupla nacionalidade saudita e libanesa, antigo primeiro ministro do Líbano e líder do bloco 14 de Março, partidário de Washington.

A esta agressiva aliança deve acrescentar-se a Turquia, que pela sua vez realizou uma significativa viragem ao apoiar a intervenção da OTAN na Líbia e mais ao intervir ativamente na Síria. Ainda mais, a Turquia converteu-se na principal base para as fações da oposição financiadas pelos sauditas e o Catar. A alargada fronteira entre a Turquia e a Síria é uma das principais vias do contrabando de homens e armas para a Síria. As outras situam-se no Curdistão iraquiano, que conta com a bênção das forças de Barzani; no oeste do Iraque, através das milícias Al-Sahwa, treinadas pelos EUA; e no Líbano, através das forças de extrema direita lideradas pela Falange e Hariri.

Al-Qaeda

Paga a pena mencionar aqui que muitos iraquianos acreditam firmemente mostrar a ocupação dos EUA uma cegueira voluntária face ao terrorismo do tipo da Al-Qaeda no Iraque porque ele serve o útil propósito de debilitar a resistência patriótica à sua presença encorajando o clima de guerra sectário e divisor defendido pela Al-Qaeda e a sua ideologia Wahhabi.
O Wahhabismo é uma interpretação do Islão sectária, repressiva, socialmente regressiva e amplamente rejeitada que tende para a violência niilista. Inicialmente uma seita pequena e isolada, o Wahhabismo reduzia-se basicamente a ser uma minoria no estado policial saudita até que a família governante começou a promovê-la pelo mundo fora com bilhões de petrodólares. O Afeganistão foi o local onde mais prosperou o Wahhabismo, graças ao apoio estado-unidense e saudita aos “Mujahidin”, incluído Ben Laden e mais os Talibã, contra os “infiéis” soviéticos na década de 1980.

A tolerância dos EUA e a OTAN para com os antigos terroristas da Al-Qaeda fica patente também nos combates da Líbia. Tendo Al Qaeda declarado oficialmente a Jihad contra o regime sírio, a aliança de facto entre os EUA, a Arábia Saudita e Israel contra os países do “Crescente” ainda surpreende mais.

A família governante num Catar rico em petróleo é um aliado muito próximo dos EUA e uniu-se à briga através da influência da cadeia de televisão Al Jazira, que é deles, mais influente que as armas e o dinheiro que bombearam à Líbia e a Síria. Enquanto a ameaça ao seu poder, provocada pelos levantamentos árabes, se aproximava mais e mais e atingia os vizinhos, Bahrain e Iémen, e afetava mesmo zonas da Arábia Saudita, os governantes sauditas e cataris puseram de parte a sua rivalidade e mobilizaram-se rapidamente para esmagar o valente levantamento democrático do povo de Bahrain. O objectivo é ditar o rumo dos protestos na Líbia, Iémen e Síria, depois de perder os seus colegas ditadores Ben Ali e Mubarak.

Militarização

A comunicação social acusa exclusivamente o repressivo regime da Síria da militarização do conflito por disparar sobre protestantes pacíficos durante as primeiras semanas dos protestos, que se iniciaram em março de 2011. O que ignoram é que somente algumas das facções da oposição na Síria é que começaram a apelar para ataques armados contra as forças armadas sírias. As organizações democráticas da esquerda, situadas no ponto de mira da repressão estatal durante décadas, opuseram-se e ainda se opõem firmemente aos ataques e à militarização do conflito. Argumentam que a militarização vai debilitar o movimento de massas em favor duma mudança democrática, deixar a porta aberta à intervenção estrangeira, favorecer as forças israelitas que ocupam os Altos do Golã e ameaçar o tecido social da sociedade síria. A comunicação social agacha o feito de os tanques israelitas do ocupado Golã estarem a só uma hora de Damasco.

Os meios de comunicação social

Os nossos principais meios de comunicação social e mais os do mundo árabe, especialmente Al Jazira, não acostumam a informar das atividades da oposição democrática que se opõe à intervenção. Por outra banda, Al Jazira atua como animadora do Conselho Nacional Sírio (CNS), apoiado por sauditas e cataris, e do Exército Sírio Livre, fundado e apoiado logisticamente pela Turquia, um membro da OTAN. Todas as afirmações feitas pelo CNS e o ASL são admitidas como verdadeiras, mesmo que existam sérias dúvidas sobre elas […]

Há muitas ocasiões em que a televisão Al Jazira foi apanhada a divulgar mentiras sobre a Síria. O seu correspondente na Síria foi apanhado pelas câmaras enquanto encenava um “combate” antes de entrar em antena. Numa ocasião a BBC publicou uma foto da massacre de Houla, fornecida pela oposição síria partidária da intervenção, que se veio a saber ter sido tirada em Iraque no 2003. A BBC teve de recuar, mas bem discretamente, usando o blogue do editor das notícias internacionais, Jon Williams, que escreveu:

“Mas fora da trágica portagem de mortos, os feitos são escassos: não fica claro quem mandou os assassinatos ou por quê... as estórias nunca são brancas ou negras, amiúde mostram diferentes gradações de cinzento. Os opositores ao presidente Assad têm uma agenda. Um alto oficial ocidental chegou mesmo a descrever a sua estratégia de comunicação no YouTube como “brilhante”, mas também a comparou aos chamados de “psy-ops” (operações psicológicas), técnicas de lavagem de cérebro empregadas pelos EUA e outros exércitos para convencer as pessoas de cousas que não precisam de ser verdadeiras. Um são cepticismo é uma das qualidades essenciais de qualquer jornalista, ainda mais ao informar dum conflito. A responsabilidade é alta, nem tudo é o que parece”.

Raiolas dum relato diferente, porém, forçam às vezes o seu caminho, no Iraque ou na Síria. Alex Thomson, experimentado jornalista do Channel 4, foi testemunha direta das brutais práticas dalguns homens do Exército Sírio Libre quando quiseram fazê-los cair numa armadilha, a ele e mais à sua equipa, para serem assassinados por forças do regime e ganhar um golpe de efeito propagandístico.

Todo isto lembra-me a maneira como políticos e comunicação social regurgitavam as histórias argalhadas pelas facções partidárias dos EUA na oposição iraquiana ao governo de Saddam durante os preparativos da invasão do Iraque. Os iraquianos que se opunham à ditadura de Saddam e, ao mesmo tempo, se opunham também firmemente à guerra viram-se marginalizados duma maneira semelhante em favor daqueles que financiavam os EUA e mais os governantes sauditas e kuwaitianos.

Porque a memória dalguns é tão curta? Como podem esquecer as mentiras que convenceram a opinião pública de apoiarem a guerra contra o Iraque? Como puderam esquecer a grande mentira acerca dos soldados iraquianos que arrancavam bebés das incubadoras? Como podem esquecer como a deputada Ann Clwyd, enviada especial de Blair, Melanie Philips do Daily Mail, o primeiro ministro australiano e muitos outros espalharam a mentira das máquinas trituradoras de pessoas empregadas por Saddam com pessoas vivas, a começar pelos pés para “prolongar a agonia”? Foi o editor do Sun no 2003 a afirmar que “ a opinião pública enquadrou-se atrás de Tony Blair quando os votantes souberam como Saddam jogava os dissidentes, a começar pelos pés, em trituradoras industriais”.

Mulheres

Um argumento habitual em favor das intervenções não apareceu em relação com a Síria. Os defensores da intervenção humanitária em defesa dos direitos das mulheres ficam calados neste caso. Se quadra porque sabem que as mulheres na Síria têm muitos mais direitos do que na Arábia Saudita, “uma monarquia absoluta que castiga a contestação com o cárcere e a reprime com balas, e onde as vidas das mulheres estão controladas pelos pais, os maridos e o imame, desde o berço até à cova”. A organização síria Irmandade Muçulmana, apoiada pela Arábia Saudita e Catar, lidera o SNC e o FSA e apela para a intervenção da OTAN. Não é especialmente conhecida pela sua defesa dos direitos da mulher.

A triste verdade é que as organizações democráticas e anti-imperialistas da Síria estão por enquanto débeis demais para liderar a luta contra o regime de Assad e lograr uma mudança democrática. Ainda mais, os sacrifícios do povo sírio foram sequestrados pela OTAN e os ditadores sauditas e cataris.

Os que advogam por uma intervenção humanitária da OTAN na Síria afirmam amiúde que ali não se passará como no Iraque. Têm razão: o que ali passar será muito pior. A mudança de regime através de sanções e o apoio a grupos armados da oposição vai assassinar ainda mais pessoas mergulhando a Síria, o Líbano, o Iraque e possivelmente a Turquia num banho de sangue ainda mais terrível. Será também o prelúdio duma guerra israelita-americana contra o Irão financiada pela Arábia Saudita e Catar. A guerra contra o Irão não apenas porá em risco as vidas de milhões de iranianos como ainda poderia introduzir a Rússia e mais a China no conflito.

Tradução de Alberto Lozano para o Diário Liberdade.


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