Foi ganhando espaços, novos públicos, conquistando coraçons. Foi seduzindo escritoras, ganhando Iniciativas Legislativas, abrindo centros sociais; foi berrando nas ruas e convencendo nos gabinetes. Abriu, da mao do nacionalismo e pola primeira vez na nossa história, escolas de imersom lingüística. Surgírom estratégias variadas e coletivos diversos, cada um com um ritmo próprio e um estilo diferente. Uns a falarem mais alto, outros mais baixinho. Uns a publicarem livros e outros discos de punk-rock. Uns a abrirem portas de academias e outros espaços ocupados onde fazer faixas. Uns a usarem o padrom galego, outros o lusitano. E com respeito mútuo, com camaradagem, sem conflitos. Com a inteligência de quem sabe adaptar-se ao contexto.
Nom consigo perceber muito bem o que mudou em outubro de 2015 para termos que procurar soluçons grandiosas a um alegado problema que eu nunca cheguei a ver. De repente sermos um movimento plural e heterogéneo já nom serve e precisamos de reconverter-nos em super-organizaçom, em “Casa Comum”. De repente o que eu sempre achei virtude transforma-se em conflito e quer-se convencer-nos de que é necessário solucioná-lo, de que nom podemos continuar assim.
Eu pergunto-me quem padecia tanto com este conflito ou quem, polo menos, conseguia vê-lo… O reintegracionismo, felizmente, é muito mais do que a AGAL, e fora da AGAL todo este debate está a passar bastante despercebido porque ninguém convidou as ativistas da Artábria, da SCD, do Mádia Leva ou da Semente, bastante ocupadas, entre outras cousas, socializando o reintegracionismo, a exprimirem a sua opiniom.
Vamos fazer de conta entom que o conflito reside dentro da AGAL e que existe um problema de direitos no seu interior. Polos vistos as utentes de normas diferentes à promovida pola associaçom sentem-se associadas de segunda categoria e numha situaçom de “alegalidade” (quem o diria, a julgar polas publicaçons da Através dos últimos anos…). Eu, como sócia da AGAL que desconhecia este facto, defendo que a situaçom se regularize. Direitos para todas! Avante com isso. Duas normas legais e pronto.
Acho que nom se trata apenas dumha questom normativa. Trata-se de desvincular-se, de deixar de promover e defender um padrom (o galego) que obstaculiza os avanços institucionais e que nom nos permite camuflar-nos suficientemente entre parlamentares e gentes de bem. Estratégia interessante, sem dúvida. Mas nom tínhamos um padrom –o lusitano- que já nos permitia avançar por aí? Entom, porque mais mudanças?
O dilema continua dentro da AGAL. Nom se pode pedir um tapete para entrar com honras nos gabinetes da Junta e querer ao mesmo tempo ganhar a guerra da perda de falantes promovendo a tam necessária tensom lingüística nas ruas. Podem –e devem- desenvolver-se as duas estratégias, mas nom pode ser feito polo mesmo sujeito. A AGAL está a tomar decisons (que nom julgo aqui) que transcendem o debate que se nos apresenta como ortográfico e que tenhem conseqüências fora dela. Se a AGAL decide (talvez de maneira inteligente) abandonar os objetivos para que foi criada, ninguém deveria surpreender-se de que isto gere algumha contestaçom ou protesto. Ninguém poderá estranhar-se se outros coletivos querem continuar o trabalho que a AGAL decide abandonar. Sem dramas. Muito polo contrario, com alegria! Todas somos necessárias, todas as linhas fazem falta nesta Galiza cada vez mais desnacionalizada.
Nom é honesto vender esta proposta como de “consenso” ou “confluência”. Consenso, desenganemo-nos, nunca houvo nem vai haver.
Neste debate virtual tam asfixiantemente masculino, tam veemente, tam aparentemente maduro e sossegado, sem muita dissensom visível, parece que só falta alguém a escrever: “deixemo-nos de infantilidades e amadureçamos! A questom nacional está ultrapassada, está na hora de fazer grandes cousas polo reitegracionismo!”
Eu, que sou sócia da AGAL, (também) fago parte desse movimento reintegracionista alheio à AGAL feminino, infantil e esquerdista que algum já chamou decimonónico por acreditar na hegemonia, no poder popular, na transformaçom, no assemblearismo de carne e osso e na necessidade do padrom próprio.
Aí fora há mulheres reintegracionistas a inventarem campanhas de galeguizaçom para lojas e supermercados, a explicarem pacientemente a colegas estudantes como escrevemos, a elaborar folhetos que explicam como se joga futebol gaélico ou as partes das espadas medievais e a abrir escolas de imersom.
Toda essa gente que socializa o reintegracionsimo onde é mais complicado e onde outra gente nom quer trabalhar (e que, já agora, escreve na norma que até hoje promovia a AGAL), nom tinha conflitos nem pediu revisons de nada. Bastante tem já com explicar “isso do nh” cada vez que cola um cartaz por aí…
Mas agora tem que seguir um debate difícil de entender e, no caso de ir para a frente a proposta da “aglutinaçom”, terá ainda que começar a fazer escolhas linguísticas!
A proposta apresenta centos de combinaçons possíveis que ninguém pretende priorizar “porque os próprios utentes acabarám por priorizar umhas ou outras”. Parece pouco realista pensar que numha comunidade lingüística altamente fragmentada, sem BBC nem meios de comunicaçom social, isto poda acontecer.
Eu, Beatriz, filóloga e professora de português, nom preciso de academia nengumha a dizer-me como tenho de escrever, é verdade. Tenho critério próprio, tenho conhecimentos e tenho suficiente segurança linguística para fazer as minhas escolhas sensatamente e defendê-las perante quem for preciso.
Mas eu, integrante dumha associaçom cultural, ativista da Semente, membro dumha associaçom vicinal e pessoa com alta vocaçom de coletivizar a minha vida, nego-me a dizer a quem me pedir explicaçons que escrevo assim porque EU o decidim. Eu quero apresentar-me como parte dum movimento que segue as orientaçons dum órgao científico que nos ampara e assessora. Quero que as professoras de galego da futura Semente de primário tenham umha norma que ensinar; ou é que em cada centro de ensino se vai ensinar um galego diferente? Ou será mais bem que isso de ensinar galego é um atraso e temos que ensinar já o português? (Um português perfeitamente codificado, claro!).
Nesta altura de louvanças ao individualismo, de posiçons anti-academias e de discursos utilitaristas observo certa hipocrisia. Porque eu, como outros “opinadores” deste debate, também sou professora de português. E também sei, como eles, que o nosso alunado tem que estudar a sério, muitas horas por semana, umha norma perfeitamente descrita e codificada que tem umha academia por trás. Como havíamos de ensinar umha língua se nom?
Entre tanta amálgama, a cousa vai ficar clara. Umha norma galega: a ILG-RAG, perante outras duas, a portuguesa e a brasileira. E eu, reintegracionista que quero situar Galiza na lusofonia e que quero também construir um sistema nacional de ensino onde (re)alfabetizar as nossas crianças na nossa língua, preciso imperiosamente dumha norma fechada e clara que poda ser ensinada.
Se a AGAL encontrou outro caminho por onde avançar melhor- e oxalá seja assim – terá que haver outro organismo que trabalhe nisto. Qual o problema? Cada umha de nós sabe onde e como pode ser mais útil, e só se trata de encontrar o nosso lugar desde o respeito aos demais.
Beatriz Bieites (Santiago de Compostela, 1980) é licenciada em Filologia Portuguesa pola Universidade de Santiago de Compostela e atualmente trabalha como professora de Português na Escola Oficial de Idiomas de Compostela. Ativista no movimento normalizador reintegracionista, é co-fundadora da Asssociaçom Cultural A Gentalha do Pichel e responsável da sua comissom em defesa da língua. Colabora como corretora e tradutora na Escola Popular Galega e integra a comissom promotora da primeira Escola de Ensino Galego Semente. É co-autora do Manual Galego de Língua e Estilo.