Foto do Senado Federal (CC by-nc/2.0/) - Pezão
Todas as emendas que visavam assegurar investimentos nos serviços públicos e condições salariais e de trabalho aos servidores foram vetadas.
A maioria absoluta dos deputados estaduais constitui folgada base parlamentar ao governador Luiz Fernando Pezão (PMDB).
Servidores de diferentes instituições públicas e estudantes compareceram à sessão legislativa, visando pressionar pela aprovação das emendas. Derrotados, ainda sofreram com agressões físicas.
Após a sessão legislativa, representantes dos servidores (bombeiros, universidades, escolas etc.) participaram de uma reunião com o governador, no Palácio Guanabara. O tema do encontro foi a polêmica em torno do pagamento do 13º salário.
O governador pagou apenas 1/5 da segunda parcela do benefício e estabeleceu, como alternativa, a obtenção de empréstimo bancário em nome do servidor.
Questionado por tamanho desrespeito com o funcionalismo, Pezão alegou “queda no preço do petróleo, como um mantra repetido a cada 5 minutos”, segundo representante do funcionalismo da Faetec, o professor Vladimir Lacerda.
Indagado sobre a elevadíssima renúncia fiscal concedida ao empresariado, que ultrapassará a casa de R$ 7 bilhões em 2016, “Pezão disse que não pode abdicar desse instrumento para atrair empresas e gerar empregos para o Rio”.
Ademais, pediu para que fossem apresentadas “provas de que determinadas empresas recebem benefícios muito além do que geram de riqueza para o estado”.
Estritamente em torno do assunto, pouco antes na Alerj, o deputado Eliomar Coelho (PSOL) havia apresentado emenda que visava suspender os benefícios fiscais ao grande capital, reservando-os às micros e pequenas empresas, que geram a maioria dos empregos no estado.
O seu projeto foi derrotado por 44 a 14 votos, a despeito de o parlamentar ter destacado que, dentre “as grandes empresas que têm previsão de receber mais de R$ 35 bilhões, até 2018, estão a AMBEV (do homem mais rico do Brasil), Jaguar Land Rover, Nissan, entre outras”.
Isso posto, a avaliação do governador, que procura justificar a sua escolha por volumosas desonerações tributárias ao grande capital, está correta? Os números dizem outra coisa, senão vejamos.
A montadora Volks Caminhões, instalada no município de Resende, obteve incentivos fiscais da ordem de R$ 2,1 bilhões em 2015.
Para efeito comparativo, a BMW, instalada em Santa Catarina, investiu aproximadamente R$ 800 milhões para erguer a sua fábrica naquele estado. Deixo de lado as habituais isenções fiscais, como IPTU, IPI, ICMS, ISS etc. O que importa é o valor projetado para iniciar as suas atividades.
A Volks foi instalada em Resende há quase 20 anos. Hoje recebe do governo fluminense um valor cerca de três vezes superior à criação da infraestrutura para iniciar as operações de uma montadora como a BMW. O número de empregos diretos é estimado em 1,4 mil operários, conforme notícia do Valor (21/10/2015).
A Jaguar Land Rover, recém instalada em Itatiaia, entrou com pretensos R$ 750 milhões de investimentos. Digo pretensos porque o montante foi convertido em créditos de ICMS, segundo matéria de O Globo (10/12/2013). Ou seja, a montadora nada investiu, apenas antecipou recursos.
Ademais, a lei de 8 de janeiro de 2014, que regula isenções fiscais à Jaguar, estabelece um “tratamento tributário especial previsto por um período de 50 anos” (1). Cerca de 500 funcionários contratados.
A Nissan, por sua vez, inaugurada ano passado em Resende, possui cerca de 1,4 mil funcionários. Com antecipação de recursos aproximada de R$ 2,6 bilhões, a montadora japonesa obteve as mesmas garantias do governo estadual, oferecidas à Jaguar, também por 50 anos (2).
Mencionamos três corporações internacionais, que andam a auferir vultosos recursos públicos estaduais, que oneram, e muito, a capacidade de arrecadação, criando condições desfavoráveis à manutenção e ao aperfeiçoamento dos serviços públicos oferecidos pelo Estado do Rio.
Contudo, existe outro aspecto relevante, mas em geral esquecido, sobre o acolhimento irrefletido do capital estrangeiro em nossa economia nacional e, no caso, em particular, carioca e fluminense.
Refiro-me à balança de pagamentos. Isto é, os gastos do país com a aquisição de bens, máquinas, serviços de reparação, aluguel de equipamentos, propriedade intelectual, remessas de lucros do capital estrangeiro etc., envolvendo bens tangíveis e intangíveis importados.
Observando uma curta série disponibilizada pelo Banco Central, de 2010 a 2014, o saldo com o exterior tem sido sempre negativo para o Brasil (3). Em 2014, cerca de R$ 104 bilhões negativos. Em 2015, um déficit de mais de R$ 60 bilhões (4).
Evidentemente, aí se vê a contribuição de instalações de corporações multinacionais, que trazem seus equipamentos e requerem acompanhamento e manutenção também de fora, além das suas transferências de lucros e dividendos ao exterior.
No intervalo de tempo entre 2010 e 2014, aquelas transferências alcançaram o valor negativo para o país de mais de R$ 107 bilhões. O Rio de Janeiro – com tantas benesses concedidas aos chamados “investimentos externos”, que pouco ou nada investem – seguramente dá elevada cota de contribuição para a perda de recursos nacionais.
O estado do Rio é simplesmente o maior importador de serviços provenientes do exterior, com uma participação nacional de 54%, consideradas todas as unidades da Federação (5). Um fenômeno que sangra a economia estadual e do país, com transferências de recursos produzidos pelos trabalhadores.
Em se tratando do Rio de Janeiro, sobretudo em função da renitente alegação de “benefícios” auferidos com a desoneração ao grande capital – inclusive multinacional –, é importante lembrar do ex-governador Leonel Brizola. É um equívoco sem tamanho esquecer a sua visão de país e de estado, nos bicudos tempos em que vivemos.
Uma das ideias mais célebres da retórica brizolista dizia respeito às perdas internacionais. O que isso significava para o ex-governador fluminense e carioca?
Trata(va)-se de um processo espoliativo do povo e da economia brasileira, engendrado pelo perfil de atuação do capital estrangeiro, em associação com as elites econômicas e políticas do país. Em síntese: a transferência de riqueza e recursos nacionais para o exterior, deixando à mingua o nosso povo.
É precisamente essa sangria que tem sido promovida pelo PMDB, há anos instalado no Palácio Guanabara, especialmente pelo governador Pezão. Adicionalmente, o escasso número de empregos que tem sido gerado é sobremodo incompatível com as vantagens destinadas ao grande capital.
Não é razoável, não é justificável, desmantelar a saúde, a educação e demais serviços do nosso estado, como tem feito o governador, para satisfazer a ânsia espoliativa dos conglomerados internacionais.
Consultar:
(2) <http://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/1029992/lei-6078-11>.
(3) <http://www.bcb.gov.br/?SERIEBALPAG>.
(4) <http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPEXT>.
(5) <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1431972666.pdf>. Consultar pág. 60.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.