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raquelrolnikBrasil - Diário Liberdade - Neste domingo ocorreu na Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, o encerramento do Simpósio "Direito à Cidade, Parte I – Megaprojetos, cidade neoliberal e moradia: Impacto e resistências", que abordou a questão da moradia e da habitação em grandes cidades. A segunda parte do evento acontecerá em novembro.


Foto: A urbanista Raquel Rolnik em palestra na Bienal do Ibirapuera, em São Paulo. Por Diário Liberdade.

Uma das organizadoras do simpósio, Raquel Rolnik – ex-relatora especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Direito à Moradia Adequada e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – abordou a questão da moradia como política social e direito humano.

Cenário internacional na Europa e nos Estados Unidos

Raquel lembrou que no começo do século XX a questão da moradia era encarada como uma política social, que, através da intervenção do Estado, representava uma ação redistributiva para poder garantir que "condições básicas, dignas, de vida" fossem disponíveis para o conjunto da sociedade. Isso acabou a partir dos anos 70 e 80, quando a moradia se "transformou em mercadoria, como um bem de consumo, e, mais recentemente, como um ativo financeiro", ou seja, "a moradia como veículo de valorização financeira".

Ela ressaltou que as políticas habitacionais no mundo "têm servido muito mais para o capital financeiro do que para as pessoas viverem". "Estamos transitando da ideia de moradia como política social e direito humano para a ideia de moradia como um ativo financeiro."

O capital financeiro busca extrair renda e juros para poder se reproduzir, e a moradia "virou um novo setor onde o capital financeiro pode aterrizar", ampliando o mercado para setores de baixa renda, pra classe média e para os trabalhadores, "com a ideia de que o mercado é capaz de oferecer uma alternativa de moradia para todos, desde que o Estado facilite a ação do mercado", disse.

A urbanista explicou que não se refere mais a um capital financeiro local, mas internacional, "que se articula para investir nesse campo da habitação, e para que isso pudesse acontecer, foi necessário destruir toda a política habitacional que existia anteriormente nos países em que existia uma política habitacional de proteção aos mais pobres", como na Europa do pós-Guerra e nos EUA, que, assim como na Inglaterra, começou a ser destruída a moradia como política habitacional nos governos neoliberais de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, quando foi originado o "processo de privatização da moradia no mundo" todo, a "ideia de que o Estado não deve se meter no assunto" e que o mercado desregulado se vira sozinho. Isso culminou, 30 anos depois, na crise imobiliária de 2008, que se transformou em uma crise capitalista global.

Ela traçou um paralelo entre o regime militar brasileiro e o franquismo espanhol, lembrando uma declaração da então presidente do BNH (Banco Nacional de Habitação) Sandra Passarinho muito semelhante à do ministro da Educação franquista nos anos 50: "Este tem que ser um país de proprietários, não de proletários", para que os trabalhadores se identificassem desde já com a ideologia burguesa da propriedade, da acumulação e "pensassem duas vezes antes de fazer greve, antes de invadir a propriedade dos outros, porque, afinal de contas, têm propriedade a zelar", explicou ironizando.

Finalizou sua explanação sobre o cenário internacional apontando para o fato de que "o capital financeiro internacional, absolutamente fictício, que só serve para gerar mais renda, mais juros e mais enriquecimento vive da extração de renda (nesse caso moradia), da vida e do corpo das pessoas, que têm que se 'matar' para pagar a dívida com os bancos" e ressaltou que "os casos de suicídio não foram poucos" devido ao caos que a crise de 2008 gerou, sobretudo à classe trabalhadora, no mundo todo.

Brasil e países do terceiro mundo

Raquel Rolnik destacou que no Brasil e nos países subdesenvolvidos, como na América Latina, o processo de habitação se deu de forma completamente diferente da Europa e dos Estados Unidos.

"Nós vivemos uma história de auto-produção da nossa moradia", disse, lembrando que aqui os próprios trabalhadores construíram suas habitações, na periferia, nas favelas, e aos poucos. "Foi assim que os trabalhadores construíram seu acesso à moradia, na mais alta precariedade, sem estrutura, sem serviço público, sem construir cidade", extraindo do seu próprio trabalho e da sua própria energia.

Ela destacou mais uma vez o próprio esforço dos trabalhadores por meio dos movimentos e suas próprias conquistas por seu espaço na cidade, mesmo que fosse na periferia, em áreas irregulares, em morros. "A ocupação permitiu que as pessoas, mesmo ganhando um salário miserável, pudessem estar lá, de manhã, exercendo seu papel de exército industrial de reserva, para fazer parte da cidade."

E lamentou o que está acontecendo atualmente. "Com esses processos de desocupação, as pessoas estão perdendo esses espaços que elas mesmas construíram coletivamente na luta, na política e na negociação com o poder", disse. "As construtoras oferecem moradia onde não tem cidade", completou.

Em um segundo desdobramento, há também a relação da financeirização da moradia, da habitação como mercadoria.

"As políticas de subsídio são políticas também que têm um sentido muito mais econômico-financeiro de fazer girar a indústria da construção, da geração de empregos e da ampliação das possibilidades de investimento, inclusive do capital financeiro internacional, do que propriamente atender às demandas reais de quem mais precisa de moradia", explicou.

Raquel Rolnik terminou sua participação advertindo que quando é disponibilizado crédito e subsídios e tanto dinheiro nesse setor, o preço da terra vai subindo cada vez mais. "Então, o aumento do preço dos aluguéis e dos terrenos, em função desse monte de dinheiro circulando nesse mercado, ficou muito acima dos aumentos salariais."

E por último, ofereceu sua perspectiva sobre a crise capitalista atual: "Não é uma crise momentânea, mas uma crise de paradigmas, a gente tem que retomar qual é o sentido da política de moradia como um direito humano (...) jamais [se deve adotar] a imposição de um modelo único que, na verdade, vulnerabilizou e deixou os mais pobres numa situação ainda mais precária e complicada do que já era".


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