Jonathan Cook, um ex-repórter do Guardian do Reino Unido, disse que os jornalistas de altos cargos nos meios de comunicação Ocidentais são "pagos pelas corporações midiáticas para limitar nossos horizontes intelectuais". Também é muito provável que eles mesmos se limitem, isolando-se, não só de sua audiência, mas de fatos e argumentos que enfraqueçam uma visão imperial do mundo. Leia somente a imprensa corporativa e estará muito bem isolado. A impressão geral transmitida pelos cabos do Governo dos Estados Unidos é que a elite governante aceita muitas das falsidades e suposições arrogantes, tão necessárias para poder realizar seu trabalho com uma consciência limpa – ainda que mentiras descaradas também tenham lugar. Algo muito similar se pode dizer dos jornalistas e editores corporativos, especialmente dos mais exitosos.
Por exemplo, o conselho editorial do New York Times reagiu da seguinte maneira à provável conquista de um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas por parte da Venezuela:
"Isto daria ao governo de Maduro uma posição importante e prestigiosa em um corpo que se espera que faça frente aos problemas críticos, incluindo a resposta mundial contra os combatentes do Estado Islâmico; Colômbia, Brasil e outros países da América Latina deveriam encabeçar um esforço para evitar que Caracas represente a região no que se está convertendo em uma vergonha para o continente."
Por onde começar?
Pelo menos desde a década de 1990 o governo colombiano tem o pior histórico de direitos humanos na América Latina. Nos documentos revelados pelo Wikileaks, funcionários estadunidenses apontaram em segredo que os paramilitares de direita assassinaram centenas de milhares de pessoas e levaram quase à extinção muitos povos indígenas. Inclusive grupos muito próximos ao governo dos Estados Unidos como o Human Rights Watch, disseram durante anos que os paramilitares trabalhavam muito próximos com os militares colombianos. Se os Estados Unidos tivessem uma "imprensa livre", este tipo de revelação teria causado um grande escândalo. Os EUA proporcionam um generoso apoio militar e politico para a Colômbia há décadas. Os militares e seus aliados paramilitares da Colômbia são a causa principal para que em 2012 o país tivesse a população mais alta do mundo de refugiados internos. O que se pode pensar dos meios de comunicação estadunidenses, como os editores do NYT, que dizem que o governo da Colômbia deveria encabeçar algum tipo de esforço regional? É bem possível que os editores estejam plenamente conscientes do terrível histórico do governo colombiano, é também provável que decidiram ignorar os fatos ao confiar na cobertura midiática Ocidental da América Latina. Nenhum jornal corporativo ridiculariza o NYT por chamar de respeitável o governo da Colômbia ou por chamar de uma vergonha o governo da Venezuela.
O que faria falta para que os editores do NYT se sentissem profundamente envergonhados do histórico de Direitos Humanos de seu próprio governo? O número de países que a administração Obama bombardeou em violação flagrante do direito internacional agora se aproxima de dois dígitos. Isso claramente não é uma vergonha para o NYT. Não lhes ocorre chamar a uma "resposta global" para terminar essa corrida sem fim com a qual os Estados Unidos e seus aliados vão à guerra. Que quase não descansam desde quando bombardearam o Iraque há quase vinte e quatro anos (causando a morte de 1 a 2 milhões de iraquianos desde 1990) [1]. Gente racional chamaria ao Grande Estado Imperial, não ao "Estado Islmâmico", uma ameaça que requer uma "resposta global". Mas aponta a um conselho editorial de um dos meios corporativos que se atreva a publicar isso, e estará apontando a um ex-conselho editorial.
E qualquer tipo de vergonha que os editores do NYT sentiram por aplaudir o golpe de Estado de 2002 na Venezuela, que brevemente instalou uma ditadura sob Pedro Carmona, se evaporou há anos.
O editorial do NYT mostra o caso do governo de Maduro contra Leopoldo López, líder da oposição preso sob sua suposta participação nos violentos protestos deste ano, como uma "farsa". Completamente ignorado é o fato de que López foi o autor, não só um partidário, como os editores do NYT, do golpe de 2002. Existem vídeos que demonstram que ele (e o governador de Miranda, Henrique Capriles) lideraram a "prisão" (na verdade foi um sequestro já que não tinham autoridade legal para prender ninguém) de um ministro do Governo de Chávez durante o golpe. O ministro é golpeado enquanto é arrastado por uma multidão. Este vídeo mostra Lópes, horas mais tarde, ostentando-se na televisão venezuelano sobre a "detenção", como um policial orgulhoso. Isso não prova que López é culpado de conduta criminosa em 2014, mas mostra o quanto ingênuo que é supor que o governo venezuelano não tenha um caso real contra ele. O NYT também afirma que o sistema legal da Venezuela é totalmente orientado contra López apesar de que nunca passou um dia na prisão por seu papel no golpe de 2002. De fato, os causadores da morte de centenas de pessoas pró-governo (chavistas) camponeses, evadiram a justiça durante anos, em parte devido à influência que os opositores do governo seguem tendo sobre o poder juducial.
Duas correções sobre a Venezuela, feitas pelo NYT este ano, deveriam ter feito também que os editores deixem de tachar como "inspirador" a um movimento liderado por gente como López. Desafortunadamente essas correções são interradas sob o material muito mais proeminente, como o editorial do New York Times, que só imitam a postura do governo dos Estados Unidos contra a Venezuela. Talvez os editoriais do NYT ignoraram essas correções ou, mais preocupante ainda, estão adoutrinados demais para captar seu significado.
Depois de serem bombardeados pelas queixas de leitores com conhecimentos (que obviamente veem mais além dos meios corporativos de informação) o NYT admitiu que as redes de televisão da Venezuela "regularmente têm convidado críticos do governo". Em outra correção, o New York Times reconheceu que o número de pessoas que morreram durante os protestos no começo deste ano (estima-se que são quarenta) "incluem as forças de segurança e civis, não só manifestantes". Cerca da metade das mortes relacionadas com o protesto foram provavelmente causadas por manifestantes violentos.
Tente imaginar, se puder, os editores do NYT aclamando um movimento de protesto que assassina "forças de segurança" nos EUA e que é dirigido por alguém que sequestrou funcionários do governo. Imagine os líderes do movimento recebendo, como o fazem na Venezuela, oportunidades regulares para atacar o governo tanto na televisão como nos principais meios impressos.
De acordo com uma pesquisa de Lexis Nexis, o Miami Herald e o Washington Post também publicaram editoriais sobre o posto na Venezuela no Conselho de Segurança. Eram apenas diferentes do editorial do NYT. Uma diferença é que os editores do Washington Post deixam claro seu fanatismo chamando Maduro de um "analfabeto econômico e ex-motorista de ônibus". Esse é o tipo de diversidade política que a "imprensa livre" oferece. Jornalistas corporativos deveriam se sentir envergonhados por isso, mas muitos, especialmente os que estão nos cargos mais altos, são provavelmente incapazes disso.
Nota:
[1] Estudos Científicos das mortes no Iraque support figures of 500,000 to 1, 000,000 since 2003.
Hans Von Sponeck e Denis Halliday, funcionários da ONU que dirigem o programa de petróleo por alimentos no Iraque, disseram que as sanções e os bombardeios liderados pelos EUA durante a década de 1990 assassinaram 5 mil crianças iraquianas por mês, o que equivale a meio milhão de mortes apenas entre as crianças.